#14 abas infinitas - Você já venceu a resistência hoje?
A resistência é a força que te impede de fazer o trabalho que precisa fazer todos os dias. Ela pode ser chamada também de medo, dúvida, procrastinação, vício, distração, timidez, ódio por si mesmo, perfeccionismo. A busca por qualquer atividade que possa levar você a um lugar de desenvolvimento pessoal e evolução vai trazer consigo, necessariamente, a resistência.
Seja o trabalho que você sonha em fazer, o negócio que você sonha em abrir ou até a busca pelo corpo que você sempre quis. É aquele curso que você jamais se matricula ou a tentativa frustrada de domar um vício. A resistência é o bloqueio, é ela que te impede de atingir seus objetivos.
O objetivo da resistência é nos tirar dos trilhos, nos distrair e evitar que a gente faça o que precisa fazer. Eu poderia chamá-la de "diabinho no ombro". Seus métodos são baixos. Ela te atrai com atividades que você jamais se interessaria, mas porque está bloqueado, acaba preferindo lavar toda a louça antes de se permitir produzir algo para você.
E é por isso que você deve domar a resistência todos os dias. O primeiro passo é identificar onde ela está atuando (e quando você começar a fazer isso, vai ver como seu ramo de atuação é variado e onipresente). Depois, é preciso lembrar de sua existência e contorná-la.
Isso é uma desculpa para não fazer exercício? Isso é uma desculpa para não escrever? Isso é uma desculpa para boicotar aquele plano de curtir a tarde? Escreva isso em um post-it e cole em um lugar bem visível.
Aliás, o melhor jeito de vencer a resistência diariamente é começar o dia com um bom exercício físico, daqueles de suar a camiseta. Nada menos que isso. O exercício já determina a energia positiva do dia e quase todos os problemas que podem aparecer vão ser pequenos depois que você já se desafiou antes mesmo de decidir se o dia seria bom. Aliás, qualquer dia que começa com exercício físico já vai ser um bom dia.
Quem conseguiu escrever bem sobre a resistência de uma forma simples é direta, e até cunhar esse termo, foi um cara chamado Steven Pressfield. É dele o maravilhoso livro The War of Art, que explica bem como a resistência age e como devemos lidar com ela para conseguir produzir qualquer coisa artística. "O objetivo da resistência é o epicentro do nosso ser: nosso gênio, nossa alma, o dom único e sem preço que nós temos e que fomos colocados na Terra para oferecer. Aquele que ninguém mais além da gente possui", ele escreve.
Pausa para você pensar: qual é o seu?
Steven Pressfield diz: "Dentro de si, há um cavaleiro e um dragão. Você é o cavaleiro. A resistência é o dragão". E a resistência não está atrás só de você, ou de mim. Não é pessoal, é uma força da natureza. Dizem que o Henry Fonda, um ator do início do século XX, sempre vomitava antes de entrar em um palco, mesmo quando ele já tinha 75 anos. A resistência atinge a todos. E por isso, precisamos aprender a detectá-la antes que ela faça você procrastinar ligando o próximo episódio daquela série. É preciso começar a trabalhar no seu projeto pessoal em vez de se distrair.
A escritora Liz Gilbert diz que você deve tratar sua arte como alguém que você anseia em encontrar todos os dias, como se fosse uma amante que você sempre encontra tempo na agenda para vê-la. Você deve se permitir fugir um pouquinho para fazer algo que te dê prazer artisticamente. E principalmente deve pegar leve com os resultados da sua arte.
"Por que eu deveria me dar ao trabalho de produzir alguma coisa quando é possível que não consiga nenhum resultado? A resposta normalmente virá com um travesso sorriso de malandro: "Por que é divertido, não é?" De qualquer forma, o que mais você fará com seu tempo aqui na Terra? Não produzir nada? Não fazer coisas interessantes? Não seguir seu amor e sua curiosidade?", Liz escreve em seu livro "A Grande Magia".
"O que produzimos nem sempre é sagrado só porque acreditamos que seja. O que é de fato sagrado é o tempo que passamos trabalhando no projeto, a maneira como esse tempo amplia nossa imaginação e como essa imaginação ampliada transforma nossa vida", conclui ela.
O prazer da vida está em fazer arte, não na aceitação de um grupo seleto, nem no aplauso e muito menos no dinheiro.
O Steven Pressfield tem um outro livro também, o Do the work, que não poderia ter um título mais direto: "Faça o trabalho". Só faltou ele colocar um ponto de interrogação no final para dar mais urgência ou então uma vírgula e completar com "stupid".
Por que é isso mesmo que a gente tem que fazer. O trabalho. Todo dia. Seja acrescentar uma linhas naquele texto que está escrevendo, ou mais umas pinceladas no quadro, ou ainda algumas notas musicais na canção que você está trabalhando. Combater a resistência significa mandar aquele e-mail para um potencial contato de trabalho perguntando se estão contratando ou aquele e-mail para a corretora de imóveis dizendo que você está buscando um apartamento. Vencer a resistência é ligar para o médico para marcar os malditos exames de rotina e finalmente começar a se exercitar com regularidade. A resistência está em todos os campos e é o que nos leva a ficar bloqueados criativamente (e portanto, na vida).
Já li muitos manuais sobre criatividade e posso adiantar qual o grande segredo para produzir coisas magníficas: começar a trabalhar. E voltar no dia seguinte.
A resistência também está aqui
Eu sinto muita resistência para escrever essa newsletter. Eu resolvi começar esse projeto em um dia de muita inspiração. Eu estava correndo em um gramado mágico e pensei que eu sempre consumi muito conteúdo na internet, mas nunca tinha me expressado do jeito que eu queria. Gosto da minha privacidade, mas sei que poderia contribuir com algum conteúdo.
Pensei que eu poderia compartilhar os mil links que estão na aba do meu navegador e falar sobre as coisas de que gosto. Se fosse há vinte anos, provavelmente eu teria um blog com um contador apontando os visitantes do meu "site". Como era 2020, o meio escolhido acabou sendo uma newsletter.
Nesse dia, me senti inspirada pelo nome Abas Infinitas e resolvi lutar contra a resistência acreditando na minha capacidade de escrever e compartilhar meus interesses. Estava bem no meio da pandemia e esse acabou virando um projeto pessoal, um jeito de sentar para escrever e fazer algum sentido sobre a realidade que estava derretendo lá fora.
Desde então, tem sido uma verdadeira "guerra da arte". Todo mês, acabo bloqueada pensando: será que esse texto faz sentido? As pessoas vão entender ou vão me julgar mal? Isso é realmente relevante? Estou só falando uma parte sobre um todo muito maior que não tenho noção?
A auto-crítica e o medo da exposição quase me fazem desistir todos os meses. Mas eu continuo fazendo, talvez por sentir que escrever tem a ver com desenrolar novelos que estão dentro de mim.
Sei que não estamos mais no começo da internet, quando podíamos escrever qualquer coisa e passar despercebido, naquela época a chance de alguém ler era muito pequena. Sinto falta dessa “internet moleque”, mas também vejo importância nessa nova internet que amplifica tantas vozes. Há espaço para todos, o que você faz com o seu?
Parte da minha resistência reside em pensar que poderiam tirar as coisas de contexto, eu poderia ser cancelada, criticada ou até ridicularizada por pessoas que um dia conheci, mas nem mais lembro que existem. Mas vou dedicar minha vida aos haters? Vou me impedir de fazer algo que faz sentido para mim por causa dos outros?
Então persisto. Porque como disse Liz Gilbert, "ter uma mente criativa é como ter um cão pastor como animal de estimação: ele precisa se exercitar, do contrário vai lhe causar uma quantidade escandalosa de problemas".
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E quase para reforçar tudo o que disse ali em cima, resolvi prosseguir investindo nessa minha pequena forma de arte. Neste mês, estreia a nova identidade visual da newsletter Abas Infinitas, obra do meu amigo talentoso e diretor de arte Vitor Fonseca. Com ela, tiro do papel a ideia de ter um Instagram também. Segue lá @abasinfinitas. E seguimos resistindo.
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Algumas coisas legais que vi por aí:
Eu sabia que você resistia
Você já deve ter reparado no Mural do Felipe Morozini no Minhocão escrito: Eu sabia que você existia (ou pelo menos se deparou com uma foto no Insta). Agora ele deu uma atualizada no texto para a necessária frase: Eu sabia que você resistia. Importante nos tempos sombrios em que vivemos.
Auto sabotagem, uma reação de angústia frente ao sucesso - artigo
Estou com esse link aberto na aba há um tempão. Cheguei nele depois de dar um Google procurando pelo texto do Freud "Arruinados pelo êxito". E encontrei nele um eco nessas ideias sobre resistência e nossa incapacidade de gastar energia para fazer as coisas darem certo. Não digo que eu entendi 100% do que está escrito, mas vale dar uma lida. Link aqui
"Essas pessoas apresentam graves problemas em usufruir plenamente a satisfação de seus desejos, encontrando diariamente meios que operem contra suas realizações. Realizar o desejo traz angústia e ansiedade, levando-nos a pensar que esta realização pode estar na via contrária de algumas ideias significantes. “As coisas nunca dão certo pra mim”, “Não tenho tempo”, “Isso não é pra mim”, etc. Frases como estas fazem parte de um rico discurso do sujeito que busca sustentar a ideia de que não pode ter o direito de se sentir feliz atendendo aos seus desejos. Existem ainda outros dispositivos sabotadores que o impede de obter sucesso em suas ações, tais como: falta de tempo, desorganização, descontrole financeiro, falta de foco e atenção, intolerância e impaciência, medo de se arriscar e sair da zona de conforto, que são, na verdade, as famosas desculpas."
Chance the Rapper - Coloring book
Quando tudo isso passar eu quero sonhar que posso ir a um show do Chance the Rapper, ouvir com alguma sorte, todas as músicas do álbum Coloring Book. Ele é inteiro bom com letras profundas e modernas e o som é muito bom também. Sei lá, não consegui explicar direito, vou pegar alguns comentários do vídeo no You Tube para ver se te convenço: "Ele realmente pegou o trap, o gospel e o soul e juntou tudo nessa obra de arte"; "Esse álbum cura", "Essa gravação devia estar na biblioteca do Congresso". Se ainda não te convenci, deixa a música falar por si.
All you need is happy thoughts
Don't forget the happy thoughts
(...)
I speak to God in public
I speak to God in public
O podcast Vidas Negras voltou ainda mais afiado na segunda temporada e um dos episódios mais legais é com o atleta Ângelo Assumpção, que denunciou brincadeiras racistas de outros colegas (inclusive do também ginasta Arthur Mariano) dentro do clube Pinheiros. Você deve se lembrar desse caso. Fiquei chocada ao saber que ele foi dispensado pelo clube que claramente não soube lidar com um caso de racismo. Ele perdeu os patrocínios mesmo sendo campeão olímpico e não tendo feito nada de errado. Como dizem hoje em dia, não basta não ser racista, tem que ser antirracista, e aqui temos claramente uma oportunidade para marcas que queiram corrigir essa injustiça e ainda sairem bonitas na foto. Esse podcast conta a história de pessoas negras que fizeram parte da história do Brasil e que provavelmente nunca ouvimos falar na escola. O episódio sobre o Chico da Matilde (Dragão do Mar) e sobre o João Cândido, o Almirante Negro, também é imperdível.
Esforços olímpicos - livro Anelise Chen
Eu descobri esse livro na minha nova livraria favorita em São Paulo, a Gato sem rabo. Ela fica embaixo do Minhocão, próximo à Vila Buarque, e só tem livros escritos por mulheres. A capa era bonita, peguei para ler e achei o estilo interessante. A autora é uma estudiosa do esporte, mas ela não escreve exatamente sobre o objeto de sua tese. É quase um ensaio em que assuntos se misturam e muitas vezes um parágrafo nada tem a ver com o outro. Leitura perfeita para quem tem o cérebro moldado pela internet e pula de um assunto para o outro o tempo todo (não disse que estou falando de mim). Anelise escreve tão empaticamente que nos leva a acompanhar seu processo de luto após saber que seu amigo Paul se matou e também nos apresenta casos intrigantes de atletas que assim como Paul, simplesmente desistiram. Anelise também foi uma atleta que desistiu e hoje não consegue mais entrar na piscina. Em um dos trechos, ela enfrenta a resistência e vai nadar.
"Como pude esquecer que eu sabia nadar - e sou tão boa nisso!
Achei que não tinha energia para gastar, mas depois de me forçar a gastá-la, fiquei com mais energia. Que milagre! É tipo Jesus transformando um pedaço de pão em um monte de peixes, ou sei lá como termina a parábola.
(Breve sensação de alegria.)"
Esse livro foi eleito um dos cinco melhores livros de autores com menos de 35 anos numa seleção da National Book Foundation dos Estados Unidos, em 2019.
Ser geriatric millennial é cringe?
Nos últimos tempos, foi do 0 ao 100 o meme do "cringe", uma expressão para algo fora de moda, ridículo. No caso, seríamos nós os ridículos e quem está tirando uma com a nossa cara seria a geração Z, os chamados nativos digitais, ou seja, aqueles que já nasceram com um celular na mão. Nada como um bom conflito geracional para agitar a internet. O Buzzfeed fez até um teste para você ver se se encaixa no grupo dos constrangedores, dos vergonha-alheia, enfim, dos cringe. Dica: se você toma café da manhã (sério que tem gente que acha legal não tomar?) e não sabe usar direito o tiktok, provavelmente você já está velho nos olhos dos jovens. Mas queria me vingar de tudo isso trazendo esse artigo que fala sobre os Geriatric Millennials, designação que me sinto 100% representada. Segundo esse artigo, os "millenials geriátricos" estão mais adaptados às mudanças que a internet trouxe ao mundo e têm vantagem profissional, pois podem atuar como uma espécie de ponte entre os mais velhos e os mais jovens. Isso porque conhecemos o mundo antes dele virar a própria internet e conseguimos entender as regras de profissionalismo e formalidade desse mundo anterior para dividir com os jovens. "Os millennials geriátricos podem ensinar habilidades de comunicação tradicionais para funcionários mais jovens e "linguagem corporal digital" para membros mais velhos da equipe".
"Eu me considero um millenial geriátrico. E deixe-me dizer a você, nós vimos coisas. Somos veteranos da Internet. Sobrevivemos aos rankings de amizade do DailyBooth, Friendster e MySpace e, no entanto, aqui estamos, sentindo-nos incrivelmente competentes com a ideia de criar um TikTok ou um painel de discussão do Clubhouse."
(...)
"É essa experiência prática com comunicação pré-digital que distingue os geriátricos da geração Y do grupo mais jovem - embora muitos de nós ainda tenhamos menos de 40 anos e isso nos torna os pilares de nossos locais de trabalho em constante mudança. Geriátricos da geração Y podem ler o subtexto de um SMS tão bem quanto podem perceber a hesitação de um cliente em suas expressões faciais durante uma reunião pessoal. Eles não são ignorantes em tecnologia nem tão absortos nela a ponto de sentir medo de uma mensagem de voz."
(...)
"Outra habilidade essencial que os geriátricos da geração Y podem ensinar aos membros mais jovens da equipe é como falar ao telefone. Fui ensinado a atender o telefone educadamente e, se a ligação não fosse para mim, a anotar uma mensagem. Só depois de contratar pessoas nascidas depois de 1990 é que percebi que estava entre a última geração a aprender essa habilidade."
A arte de morrer - artigo do Peter Schjeldahl na New Yorker
Esse link é um pouco antigo, mas também lembra esse estilo de ensaio em que um texto abriga várias ideias variadas sem necessariamente perder sua coesão e coerência. O critico de arte Peter Schjeldahl fala sobre o diagnóstico de câncer de pulmão terminal que recebeu, relembra sua história e faz algumas divagações valiosas sobre a vida.
"Matei uma mosca outro dia e pensei: Sobrevivi a você".
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“Família e amigos estão sendo maravilhosos comigo na minha doença. Eu trabalhei toda a minha vida, em vão, para gostar de mim mesmo. Agora a tarefa foi terceirizada. Eu não posso sair por aí dizendo a todos que eles são idiotas.
Eu sempre disse que quando minha hora chegasse, eu gostaria de ir rápido. Mas onde está a diversão nisso?
História verídica: uma amiga recebeu um diagnóstico preliminar sugerindo câncer de mama avançado. Normalmente tímida, ela interpretou isso como uma licença para dizer ou mostrar a todos em seu círculo o quão pouco ela gostava ou os respeitava. Alarme falso. Era uma febre causada pelo arranhão de um gato. Ela mudou-se para o exterior.”
(...)
“Quando um homem sabe que será enforcado em duas semanas, isso concentra sua mente maravilhosamente”, disse Samuel Johnson.
Moraes Moreira - Lá vem o Brasil descendo a ladeira
Outro dia me peguei fazendo uma das poucas coisas boas que restou para os brasileiros e fiquei ouvindo um Moraes Moreira. Pena que só conheci sua obra mais recentemente, depois da sua morte, mas vale a pena mergulhar no disco Cara e Coração de 1979 e Lá vem o Brasil descendo a ladeira.
Se quiser se comunicar comigo, é só responder a esse e-mail.
Até a próxima!