#16 Abas Infinitas - A pandemia está mexendo com o nosso cérebro
A pandemia foi uma grande quebra na normalidade e quase tudo sentiu seu impacto, inclusive nosso cérebro. Se você tem sentido confusão generalizada, dificuldade de concentração e esquecimento de coisas básicas como palavras ou compromissos, saiba que não está sozinho. Há uma condição nova chamada "névoa cerebral pandêmica" (pandemic brain fog).
Situações traumáticas são capazes de mudar nosso cérebro. Segundo alguns estudos recentes, o estresse contínuo e o isolamento social na pandemia causaram uma diminuição nas sinapses (as conexões entre os neurônios) e o encolhimento do hipocampo, área do cérebro relacionada à memória e ao humor. Um hipocampo menor é relacionado com doenças como depressão e Alzheimer.
Na verdade, todas as experiências mudam o cérebro, seja para criar novas sinapses ou fazendo você perdê-las. Isso é chamado de neuroplasticidade e é como o cérebro se adapta e evolui durante nossa vida, principalmente durante a infância e adolescência. Esse processo é vital para o aprendizado, para a memória e para a saúde geral do cérebro.
Mas diversas experiências fazem você perder essas conexões que gostaria de manter, principalmente o estresse contínuo, que pode não só destruir as sinapses, mas inibir o crescimento de novas conexões. O estresse libera o gluco cortisol, um hormônio que em pequenas quantidades ajuda o cérebro e o corpo a responder a ameaças e ajuda na sobrevivência (como quando nos sentimos em perigo e o coração bate mais rápido, a respiração fica ofegante e você se prepara para fugir de uma ameaça).
Mas no dia a dia, não temos a experiência de estar fugindo de um urso no meio da floresta. Nosso estresse é crônico, nunca vai embora. E principalmente, é mental, temos angústias e ansiedades que surgem e ficam em nossa cabeça. Como a recente aquisição do medo de um vírus invisível que pode nos matar (e diversos outros medos encadeados).
A parcela de americanos que relatou sintomas de transtorno de ansiedade, ou depressão quase quadruplicou de junho de 2019 a dezembro de 2020, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a agência norte-americana que reúne os dados de saúde naquele país.
E o pior é que nem temos noção dos efeitos de longo prazo dessa infinidade de preocupações e tristezas trazidas pela pandemia.
Considere as mudanças que tivemos de enfrentar nos últimos 18 meses: mudança no modo de trabalho, perda de emprego, perda de familiares, falta de convívio social, o dinheiro evaporando e não dando para pagar as contas, ameaças sucessivas de golpe à democracia… É normal que nosso corpo reaja, e com ele, nossa mente. Qualquer pensamento destrutivo tem um efeito negativo sobre nosso corpo.
O que dá para fazer para evitar que fiquemos ainda mais doentes?
Para muitas pessoas, o cérebro pode recuperar sua plasticidade espontaneamente quando o estresse passar. Se a vida começar a voltar ao normal, nosso cérebro também poderá. E conforme voltarmos à vida, todas as pequenas experiências boas irão ajudar nosso cérebro a reparar as conexões perdidas que o estresse crônico fez a gente perder.
Duas ações são apontadas pelos cientistas como um remédio para o “cérebro pandêmico". Exercício físico e contato social.
Precisamos ajudar o corpo a produzir hormônios bons e uma das formas mais consagradas de fazer isso é exercitando-se. O estresse crônico esgota os níveis de uma substância química importante chamada fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que ajuda a promover a neuroplasticidade. Sem o BDNF, o cérebro é menos capaz de reparar ou substituir as células e conexões perdidas devido ao estresse crônico.
O exercício tem demonstrado continuamente melhorar o humor, a atenção e a cognição das pessoas. Alguns terapeutas até prescrevem para tratar a depressão e a ansiedade.
Além disso, precisamos voltar a construir nossos laços sociais, assim que a situação estiver mais segura para voltar a sair e encontrar amigos. Muitos de nós viu encolher seu mundo e suas amizades com a pandemia. Perdemos quase todas as nossas interações sociais desde cumprimentar pessoas da empresa que você só conhecia de vista até a amizade com os colegas que sentavam próximo e estavam sempre almoçando junto. Todo mundo se fechou em casa e nos círculos menores de sua família. Tudo ficou coberto por uma névoa de medo e isso gerou uma barreira social.
Muitas amizades esfriaram, afinal, estamos há um ano e meio nessa situação, e muitos laços nem chegaram a acontecer. Então, quando tudo voltar ao normal (e isso há de acontecer!) precisamos afastar esse medo que circunda nossa cabeça a cada vez que alguém nos convida a fazer alguma coisa e simplesmente confirmar nossa presença.
Há um termo na psicologia que se chama "ativação comportamental". É utilizado para o tratamento de pessoas com depressão, com fobias e medos profundos. É o famoso “fake it until you make it” (algo como " finja fazer até conseguir fazer"). Na prática significa: saia de casa mesmo que você tenha mil motivos para se boicotar. O fato de você forçar uma socialização ajudará seu cérebro a se alimentar das relações sociais que são parte importante da nossa configuração como seres humanos.
O pequeno lado bom disso tudo
Os últimos meses foram cheios de estresse, ansiedade e depressão, mas o fato de termos desafiado nossos cérebros a fazer coisas novas e encontrar novas maneiras de se adaptar, pode ter tido um lado bom. "Se não tivéssemos vivido 2020, ainda teríamos um velho modelo interno do mundo e não teríamos forçado nossos cérebros para fazer as mudanças que eles já fizeram. Do ponto de vista da neurociência, essa é a coisa mais importante que você pode fazer - desafiá-la constantemente, construir novos caminhos, encontrar novas maneiras de ver o mundo. ”, afirmou o neurocientista David Eagleman, autor do livro o "Livewired: The Inside Story of the Ever-Changing Brain", em uma entrevista recente.
Algumas coisas legais que vi recentemente:
Comercial do chiclete Extra Gum sobre a volta ao normal
Falando em ressocialização, é bem divertido esse comercial do chiclete Extra Gum imaginando o mundo voltando ao normal depois da pandemia. As pessoas cabeludas e barbudas, ainda sem saber bem como sair de casa, e assim que percebem que é seguro sair novamente, elas vão se soltando até chegar a uma catarse coletiva com as pessoas se beijando loucamente no parque (com a ajuda do chiclete, é claro). O comercial termina com a assinatura: We could all use a fresh start (algo como: todos nós poderíamos nos beneficiar de um recomeço refrescante)
Sua linguagem corporal molda quem você é - TED Talk
Falando em "fake it ‘til you make it", me lembrei desse vídeo que sempre assisto quando tenho uma entrevista de emprego ou um desafio para enfrentar. A psicóloga social Amy Cuddy fala sobre a linguagem corporal e como isso influencia no nosso sucesso. Quero ver todo mundo fazendo a "pose do macaco" antes de qualquer evento importante.
Marcella Hazan - Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica (livro)
Não há nada como um livro de receitas para te transportar sensorialmente para um lugar. Se esse lugar for a Itália, melhor ainda. Esse livro da Marcella Hazan é um clássico e seu molho de tomate é testado por todos os que amam uma boa massa. O segredo do molho dela é o mesmo que vale para quase todas as outras coisas gostosas: manteiga. Fazia tempo que eu desejava ter esse livro e, mesmo assim, ele superou minhas expectativas. As receitas são muito bem explicadas e há sempre um textinho antes, que funciona como se a autora conversasse com a gente. Meu modo de relaxamento noturno consiste em ler receitas e ficar imaginando os pratos. Outra noite me deparei com a receita de Fatias de Laranjas Maceradas. A introdução da receita me cativou: "Dentre as várias maneiras de dar um toque aromático ao término de sua refeição, não conheço nenhuma cujo frescor sobrepuje o das laranjas maceradas em casca de limão, açúcar e caldo de limão". Pronto. Foi o suficiente para eu ficar pensando em laranjas por dias, até que as comprei e testei a receita. O sabor do caldo das laranjas me deixou catatônica. O frescor e a doçura explodiram em meu paladar. Quando me vi, estava planejando colocá-lo em diversas combinações como no iogurte ou para temperar carnes. Fantasiei jantares na minha casa onde eu serviria fatias de laranjas aromáticas… Esse é o poder de uma receita nova: ela te transporta para um novo mundo. E por isso recomendo esse livro. Ele não tem fotos, só uma ou outra ilustração, mas tem quase tudo o que você precisa saber sobre molhos, massas, risotos, polentas, carnes e outros pratos da cozinha italiana.
Para quem ficou curioso e quer testar a receita das laranjas em casa, é bem simples. Você descasca e tira aquela parte branca. Depois, corte as laranjas em fatias de 1 cm de espessura, retire os caroços e deixe-as em um prato cobertas por uma marinada de açúcar, meio limão espremido, uma laranja espremida e mais raspas de limão. Cubra com filme plástico e deixe por no mínimo quatro horas na geladeira, ou mesmo por toda uma noite. Depois é só comê-las, geladas mesmo.
Minha Prece - Dandara Manoela
Uma amiga do trabalho enviou essa música para um grupo quando foi perguntada qual canção representava melhor quem ela era. Achei a letra forte e bonita e a interpretação de Dandara Manoela poderosa. Eu não conhecia a cantora, mas dando um Google descobri que ela é vocalista da banda de samba reggae Cores de Aidê, composta apenas por mulheres, e que participou da banda de MPB autoral Seu Baldecir durante três anos. Continuei sem entender muito, olhei seu Instagram, pulei para a música Retrato Falado e acabei descobrindo mais coisas sobre ela. Gravou o primeiro CD aos 26 anos em 2018, graças a um financiamento coletivo. É formada em Serviço Social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e venceu o prêmio de Melhor Cantora Catarinense em 2017. Mas o melhor mesmo é deixar a música falar por ela.
Sem ser indelicada me concentro,
me fecho e foco
Sem excluir sem esquecer
Visto a armadura e ainda assim amo leve
Me munindo de força e ação,
munição é tiro certo no alvo que quero conquistar
Sigo os caminhos sem pedir licença,
mas sem passar por cima sem pisar
E desviando de pés inocentes,
porém mortais que cercam
Com fé no que sei e no que não sei,
no que sou e no que serei,
sigo hoje forte, mais do que ontem
Minha resistência é voz
e se for preciso,
eu aprendo a ser feroz.
Bell Hooks - Tudo sobre o amor (livro)
Eu estou lendo esse livro aos poucos porque estou grifando absolutamente todas as palavras que estão escritas nele. Brincadeira. Mas é sério, eu não poderia recomendar mais esse livro, para todos. É um livro poderoso da Bell Hooks, professora, feminista e ativista social. Ela defende que quanto mais pudermos falar sobre o amor, mais poderemos ser capazes de definir esse sentimento e colocá-lo em práticas nas relações humanas. Ela defende que o amor é mais do que um sentimento — é uma ação capaz de transformar o niilismo, a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura. Segundo Bell Hooks, através da construção de uma ética amorosa, podemos edificar uma sociedade mais comprometida com o bem-estar coletivo. A autora defende que um dos locais onde o amor é mais puro, é na amizade.
"A amizade é o espaço em que a maioria de nós tem seu primeiro vislumbre de amor redentor e comunidade carinhosa. Aprender a amar em amizades nos fortalece de formas que nos permitem levar esse amor para outras interações com a família ou com laços românticos". Ela discute bastante sobre o quanto o amor é aprendido (ou desaprendido) nas relações familiares e como o desamor está presente em quase tudo em nossa sociedade.
"Quando o consumo ganancioso é a ordem do dia, a desumanização se torna aceitável. Assim, tratar as pessoas como objetos não é um comportamento apenas plausível, mas necessário. É a cultura da troca, a tirania dos valores do mercado. Esses valores orientam as atitudes em relação ao amor. O cinismo em relação ao amor leva jovens adultos a acreditar que não há amor a ser encontrado e que os relacionamentos são necessários apenas na medida em que satisfazem desejos. Quantas vezes ouvimos alguém dizer: "Bem, se essa pessoa não está satisfazendo as suas necessidades, você deveria se livrar dela"? Relacionamentos são tratados como copos descartáveis. São todos iguais. São dispensáveis. Quando essa lógica é predominante, laços de compromisso (incluindo casamentos) não podem durar. E amizades ou comunidades amorosas não podem ser valorizadas ou mantidas".
O Mano Brown, vocalista dos Racionais MCs, está comandando um podcast original do Spotify. No primeiro episódio ele conversa com uma das pessoas mais julgadas pela opinião pública recente a Karol Conká. Eles falam sobre racismo, cancelamento na internet e a participação da Karol no BBB. O segundo episódio é ainda melhor: quase noventa minutos de entrevista com o dr. Dráuzio Varella (mas você nem percebe passar o tempo). Vale a pena conferir.
Zee Avi
O ano era 2009 e eu curtia minha primeira viagem sozinha em um festival de rock em San Francisco. Me afastei do palco principal e fui andando até um pequeno palco no meio de uma floresta. Foi ali que conheci a voz perfeita de Zee Avi, uma cantora da Malásia que fez carreira nos Estados Unidos naquela época. A música que me fisgou imediatamente foi Bitter Heart, mas logo depois já viciei em outras como Kantoi, Just You and Me, Poppy, Concrete Wall, I am me once more e uma das minhas preferidas, First of the Gang. Vale muito a pena mergulhar nos álbuns calmos e fofinhos Zee Avi, Zee Avi's Nightlight e Ghostbird. Achei alguns vídeos dela novinha, em 2009, tocando no Tiny Desk da NPR e cantando Kantoi com legendas (a letra mistura a língua malaia com o inglês). Hoje ela está de volta ao seu país e parece bem diferente, mais madura, mas continua fazendo músicas.
The White Lotus - HBO (Trailer)
Essa série é uma das melhores que já vi recentemente. Vou pegar emprestada uma explicação da Glamour para descrevê-la: "Ambientada em um resort de luxo no Havaí e com uma morte misteriosa como ponto de partida, a trama contrapõe funcionários e hóspedes em situações meio corriqueiras, meio absurdas para ilustrar como estruturas de opressão de grupos minorizados se manifestam nas interações mais banais". Assistimos a esse grupo de pessoas brancas em seus jogos de poder perversos onde o dinheiro é o centro de tudo. Acompanhamos suas histórias enquanto elas reclamam do quarto luxuoso ou exploram os funcionários emocionalmente. E tentamos descobrir quem é que está naquele caixão que aparece logo na primeira cena. A série foi criada por Mike White, que também fez "Escola do Rock", "Freaks and Geeks" e "Enlightened". A Vulture fez uma entrevista ótima com o diretor que revela o que ele pensa sobre a trama e também sobre fazer arte.
Até a próxima!