#20 Abas Infinitas - Ainda sobre enfrentar a resistência (todos os dias)
"A resistência não pode ser vista, tocada, ouvida ou cheirada. Mas pode ser sentida. Nós a experimentamos como um campo de energia irradiando de um trabalho em potencial. é uma força repelente. É negativa. Seu objetivo é nos afastar, nos distrair, nos impedir de fazer nosso trabalho". Steven Pressfield
Acabei voltando a ler recentemente o livro The War of Art, de Steven Pressfield, e ele é sempre um chacoalhão no meu bloqueio criativo. Ele escreve: "quanto mais importante for um chamado ou ação para a evolução de nossa alma, mais resistência sentiremos em persegui-lo".
Resolvemos ir lavar louça, encontrar um problema desimportante para resolver, só para não fazer o trabalho criativo que está querendo sair de dentro da gente. É ou não é?
Geralmente, quando a gente se coloca em movimento, tudo parece andar junto. Temos vários bloqueios, mas assim que resolvemos combater um só deles, os outros vão caindo feito peças de um dominó. Ficamos fortes e potentes todas as vezes que enfrentamos a resistência. Seja para fazer exercício físico de manhã ou para escrever um texto que tá pulando pra fora de você.
Estava sem inspiração para escrever por aqui, sempre pensando se eu teria algo a dizer. Diante de tantas notícias ruins, eu estava apenas tentando sobreviver no Brasil de 2022. Não sabia formatar minha revolta, minha decepção, minha falta de esperança.
Mas fazer algum tipo de arte é a melhor forma de sobreviver. Como diria Nietzsche, "a arte existe para que a realidade não nos destrua". Ou como vi no Twitter essa semana:
Outra coisa que me fez sentar e tentar escrever foi um texto que li da Aline Valek em que ela praticamente vem aqui na minha casa e me faz levantar da cama quando diz: "só faz a sua parada". Sua newsletter é bem legal e vale se inscrever (é de graça). Ela diz:
"Penso no medo de mostrar quem sou. Em todas as vezes que me segurei para parecer adequada. Porque o que eu tinha para oferecer era destoante do que estava sendo celebrado como bom. Medo de parecer ridícula quando esquisito mesmo é se limitar e se podar para se adequar. Não tenho a quem culpar mais além de mim mesma por todas as barreiras que me coloquei. Toda essa energia gasta em criar impedimentos, enquanto eu podia usá-la para simplesmente criar. Soltar o braço. Falar sobre o que realmente me interessa, independente do que as vozes lá fora definiram como relevante. E então atropelar tantos outros temas que eu tinha planejado e sentar numa tarde calorenta de sexta para escrever sobre uma alemã doidona pela qual fiquei obcecada".
Isso me lembrou que um dia eu criei um espaço para eu poder falar de todas as coisas estranhas que vejo na internet e que gostaria de compartilhar. Então aqui estou. De volta, voltando a ocupar o espaço que me pertence neste mundão que é a internet.
10 coisas que consumi nos últimos tempos:
1- Jeff Tweedy wants you to be bad at something. It's for your own good
E por falar em processo criativo, é muito inspiradora essa entrevista do Jeff Tweedy, vocalista do Wilco, no podcast do Ezra Klein, do The New York Times. Eu li sobre ela na ótima newsletter "Vou te falar" da Carolina Ruhman Sandler. O Jeff Tweedy fala muito sobre o processo que ele tem ao criar músicas, e como ele abre o canal criativo para escrever o que quer que seja, até um texto ruim. Ele diz que às vezes nem ele sabe explicar o que quis dizer em tal música, ele simplesmente escreve e deixa fluir. O Ezra fala muito sobre o livro do Jeff: How to write one song. Fiquei com vontade de ler. Vale a pena ouvir a entrevista, e se você não conhece o Wilco, comece pelo álbum Yankee Hotel Foxtrot.
2 - O tal do work-life balance (link)
O Austin Kleon que também tem uma newsletter maravitchoza, publicou recentemente o que ele considera o melhor poema escrito sobre o equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional. O poeta Kenneth Koch publicou este texto na revista New Yorker, em 1998. No poema, ele diz que a gente persegue três coisas na vida: trabalho, família e amigos. Você pode ter todos, mas nunca ao mesmo tempo. No máximo dois por vez.
Acho legal que o poeta fala sobre Michelangelo e se pergunta: será que ele ia a festas no final do dia? É uma boa pergunta quando a gente estiver infeliz por não dar conta de tudo.
Austin acaba trazendo um outro lado dessa discussão que às vezes passa despercebido: é muito diferente essa discussão para homens e mulheres. "Historicamente, as mulheres que têm a sorte de ter carreiras criativas, não têm muita escolha de separar facilmente trabalho e vida", ele escreve.
Austin recorda de uma entrevista da esposa do Francis Ford Coppola, Eleanor Coppol, em que ela diz:
"Os artistas homens que eu conhecia tinham um estúdio e iam para o estúdio, passavam o dia, trabalhavam e depois voltavam. Certa vez, li um livro de Judy Chicago, que entrevistou todas essas mulheres artistas, e elas fizeram sua arte na varanda dos fundos, em cima da máquina de lavar, perto da pia da cozinha e em qualquer lugar que elas podiam, por uma hora e meia enquanto o filho estava tirando uma soneca, nas duas horas enquanto eles estavam no grupo de brincadeiras. Eles fizeram isso "no meio". Não era tipo, você faz arte por oito horas. Você faz arte em trechos de 20 minutos e não fica brincando. Eu sei que uma vez eu fui ver Francis em sua sala de trabalho, e ele tinha seus lápis todos arrumados, e seu café expresso lá, e havia todo esse pequeno ritual de entrar em si mesmo e em seu trabalho. Não havia tempo [para as mulheres] para o ritual de entrar no seu trabalho! Você acabou de fazer isso levando 10 minutos e fazendo 3 linhas em seu desenho ou o que fosse possível. Não era a mesma forma como os homens trabalhavam. E foi assim que as mulheres fizeram seu trabalho".
Eleanor fala de ter que fugir para o jardim, apenas para “recuperar o fôlego” e “ouvir a si mesma” e ter algum tempo com aquela voz criativa que estava falando com ela, e que grande luxo foi, mais tarde na vida, quando ela tinha 60 anos, seus filhos tinham ido embora, e ela poderia ter um pequeno estúdio próprio, fora de casa, onde ela poderia trabalhar sem interrupções.
Em um outro link do Austin Kleon, ele traz dicas de 5 livros que falam sobre arte e maternidade. Vale a pena dar uma olhada.
3- Vai varrendo, vai varrendo, vai varrendo…
Um dia você é jovem, no outro está lendo atentamente uma thread sobre produtos de limpeza. O @homemdiarista limpa a casa das pessoas e traz dicas para dar um talento no seu cafofo.
4 - Newsletter Folga - A newsletter que é uma mãe para você (link para assinar)
Essa newsletter é feita por várias mulheres fodas: Carol Pires, Anielle Franco e Helen Ramos. É "escrita por três mães, com diferentes vivências e configurações familiares, mas com o mesmo intuito de dividir as loucuras e intensidades desse universo". Na edição sobre autocuidado, gostei muito de ler o texto da Carol Pires pela honestidade com sua vulnerabilidade. Em um mundo onde só postamos nossas melhores fotos, ela interpreta que o autocuidado para ela foi pedir ajuda, pela autopreservação. Dolorido saber tantos detalhes de um sofrimento, mas também uma fonte de força para quem estiver precisando.
Se não me abandonar pela maternidade era meu lema, como fui parar dentro de uma máquina de tomografia?
5 - Vídeos coreanos hipnotizantes
Começou com uma indicação do You Tube. O nome Milkshake Monstro Coreano brilhou na tela. Quando li, eu e meu filho ficamos empolgados para saber do que se tratava.
Depois, fui visitar meu pai e ele assistia a uma fábrica de salsicha na Coreia. Isso mesmo, o vídeo mostrava todo o processo de se fazer salsicha. Este era o vídeo. Acabei vendo como é a fabricação de ricota também. Esses vídeos são bem documentais, você acompanha a produção cuidadosa de algum produto como se fosse uma mosca na cena (a diferença é que os coreanos jamais deixariam uma mosca voar na sala de produção). O áudio é ambiente, não tem ninguém explicando o que você tá vendo.
O que me levou a lembrar de um documentário que gostei bastante: Ascensão. Ele até foi selecionado para o Oscar. O filme observa a China contemporânea de perto. Ofertas de trabalho em fábricas, como é o consumismo, a inovação e luta por posição social. Vale a pena dar uma olhada, a linguagem é bem parecida com estes vídeos do You Tube, bem naturalista, apenas registrando os acontecimentos, sem influenciar, sem atores encenando, apenas a realidade se mostrando para você.
6 - O filme Amarcord, de Fellini
Talvez eu tenha demorado muito para assistir aos filmes de Fellini sem desistir depois de dez minutos. Muitas vezes, as obras de arte mais geniais não são compreendidas pela massa (e eu estava inclusa nela). Até que de repente “bateu". Eu assisti Amarcord, filme de 1973, e achei absolutamente genial. Depois "8 e 1/2" e gostei tanto que queria morar dentro do filme. Depois assisti o ótimo filme do Ettore Scola, “Que estranho chamar-se Federico”, obra que homenageia o amigo Fellini. Depois veio "Os Boas Vidas" e ainda faltam tantos outros para terminar minha imersão na obra do gênio. São cenas que misturam sonho e realidade e nos mostram a vida (e a Itália) em sua melhor forma. Esta cena acima, é uma das mais engraçadas de Amarcord, mas você não chega a rir, só fica maravilhado com a genialidade mesmo. O irmão de um dos personagens está internado em uma espécie de hospício. Em um final de semana, a família decide buscar “o tio” para passear no campo. Certo momento, eles perdem o tio de vista e percebem que ele subiu em uma árvore alta. Ninguém consegue tirá-lo de lá, enquanto ele grita sem parar: "Eu quero uma mulher!! Eu quero uma mulher!!” Veja a cena aqui. Outra cena maravilhosa (clique aqui pra ver) mostra um desfile fascista completamente cômico.
7 - Este poema da Louise Erdrich
Que quer dizer mais ou menos assim:
“A vida vai quebrar você. Ninguém pode protegê-lo disso, e viver sozinho também não, pois a solidão também o quebrará com seu anseio. Você tem que amar. Você tem que sentir. É a razão pela qual você está aqui na Terra. Você está aqui para arriscar seu coração. Você está aqui para ser engolido. E quando acontece que você está quebrado, ou traído, ou deixado, ou ferido, ou a morte chega perto demais, sente-se ao lado de uma macieira e ouça as maçãs caindo ao seu redor em montes, desperdiçando sua doçura. Diga a si mesmo que você provou o máximo que pôde.”
8 - A série O psiquiatra ao lado - Apple TV
Essa série vale muito a pena ver, pela atuação dos dois gigantes: Will Ferrel e Paul Rudd (este, está fenomenal!). A história é baseada em fatos reais e detalha o relacionamento bizarro entre o psiquiatra das estrelas Dr. Isaac “Ike” Herschkopf (interpretado por Paul Rudd) e seu paciente de longa data Martin “Marty” Markowitz (interpretado por Will Ferrell). É bem legal ver como a história vai fervendo em fogo baixo e o encantador Ike se infiltra lentamente na vida de Marty, chegando a se apossar de várias áreas da vida do paciente. A série explora como uma dinâmica aparentemente normal entre médico e paciente se transforma em um relacionamento abusivo cheio de manipulação, tomadas de poder e disfunção. E você pode assistir Apple TV baixando o app e pagando R$ 9,90 de mensalidade (não é um ad!).
9 - How Everyone Got So Lonely (The New Yorker)
Nesta reportagem da Zoe Heller, há vários dados interessantes sobre a solidão contemporânea. Um estudo publicado no The Journal of Sexual Medicine descobriu que a pandemia causou uma pequena, mas significativa diminuição no desejo, prazer e frequência sexual dos americanos. É fácil ver como a ameaça de um vírus letal pode ter tido um efeito geralmente anafrodisíaco. Além da dificuldade de encontrar novos parceiros e das consequências arrepiantes de estar confinado com os mesmos antigos, os psicólogos evolucionistas especulam que temos um “sistema imunológico comportamental” que nos protege em tempos de peste. Uma discussão bem interessante.
10 - O livro que o Picasso criou para ensinar a filha a desenhar
Achei bem interessante essa reportagem sobre uma exposição que rolou em Paris depois que descobriram uns desenhos originais que o Picasso fez para ensinar a filha a aprender a desenhar. A neta do artista estava mexendo em uns materiais antigos e perguntou para a mãe, que agora tem 86 anos, do que se tratava. A memória veio vívida em sua mente: "é claro que são os cadernos que meu pai usava para me ensinar a desenhar!", ela teria dito. Há imagens em que há desenhos similares, um feito pelo pai e outro pela filha.
Até a próxima!