#22 Abas Infinitas - Desenhando monstros pra lidar com a realidade
Não dá para dizer que foi um ano fácil. Há um tempo resolvi me desligar das notícias e ansiedades do mundo e naturalmente fui preenchendo o tempo com outras atividades. Uma das coisas que resolvi encarar foi meu desejo de aprender a desenhar.
Comprei livros que ensinam o passo a passo de desenhos, toneladas de caderninhos, lápis e canetas. Como dizia um professor que tive, "mudar é consumir coisas novas". Mas a gente esquece que não basta consumir, tem que também fazer o trabalho duro. Não adianta comprar a bicicleta, tem que aprender a andar com ela.
Como vesti toda essa personalidade, ficou longe demais para desistir e voltar a ficar bloqueada com isso. Sem ter coragem de encarar a página em branco com minhas próprias ideias, comecei a copiar desenhos de que eu gostava.
Acabou sendo um ótimo exercício para retomar minha atenção perdida para as mil abas da internet. Desenhar é existir em outro ritmo. É se dedicar a manter um padrão, mesmo quando você não aguenta mais desenhar folhas em uma árvore.
Desenhar é um desafio para realmente olhar para algo, absorver e depois tentar reproduzir o que vi. Fazer um trabalho cerebral diferente do que faço normalmente (que é ficar recebendo passivamente gigabytes de informação que não fazem diferença alguma para minha vida).
Nessa de copiar, me aproximei do trabalho do artista Edward Steed, da revista New Yorker. Ele desenha monstros estranhos como um veado dentuço, um grande monstro feito de flores carregando um bebê no sling ou um polvo com cara de sapo. Ele imagina mundos em que esses monstros saem do metrô de Nova York enquanto falam em seus enormes telefones celulares.
Comecei a copiar traço a traço a fim de distrair minha mente, mas só depois me dei conta da coincidência de estar totalmente aterrorizada com a vida e desenhar monstros para tentar controlar isso.
Acabou tendo um efeito terapêutico bom. Nada é tão assustador que não possa ser desenhado.
*Só não conseguiria fazer igual ao artista Frank Hopmann neste trabalho premiado no World Press Cartoon: desenhar o inimigo que aterroriza, reforçar suas características perversas através do traço. Prefiro ficar com os monstros fictícios.
Algumas coisas legais que vi por aí nos últimos tempos:
1- Mano Brown entrevista Silvio Almeida (Podcast Mano a Mano)
Este é o tipo de entrevista que você já sabe que vai gostar antes mesmo de ouvir. Primeiro porque o Silvio Almeida é sempre muito certeiro e claro, principalmente quando se trata de falar sobre os problemas do Brasil. Muitos cogitam que ele poderia ser o primeiro presidente negro, algo que ele também comenta nesta entrevista. E vê-lo discutir raça, racismo e a experiência negra no Brasil junto com Mano Brown, que cresce como entrevistador a cada episódio, é um convite para sairmos do nosso local de branquitude e podermos olhar as coisas com os olhos dos outros. Se não quiser ouvir, aqui tem um resumo de um pouco o que rolou nesta conversa de 2h30.
2- Sheila Heti conversa com Inteligência Artificial sobre a internet
Acho que foi na newsletter da Haley Nahman que eu vi esse link que me deixou ~estupefata. Eu já vinha pirando um pouco sobre esse assunto, das inteligências artificiais estarem cada vez mais parecidas com os humanos, mas ao ver essa conversa da escritora Sheila Heti com uma inteligência artificial, fiquei pensando no mundo que vem aí.
Ela conversou com a Eliza, do site chai.ml.
Um trechinho:
Do lado esquerdo é a Eliza (IA), do direito, a escritora Sheila Heti.
Recentemente um engenheiro do Google foi afastado por acreditar que a Inteligência Artificial (IA) com que ele trabalhava havia adquirido consciência. Em entrevista ao Washington Post, Blake Lemoine disse que conversou com o sistema que desenvolve para o novo assistente de voz do Google (batizado de LaMDA) sobre os mais diversos assuntos, como religião, consciência e leis da robótica. O sistema chegou a definir-se numa das respostas como "uma pessoa com consciência" e que gostaria de ser reconhecido como "um funcionário do Google e não como uma propriedade".
Se você também quiser conversar com uma Inteligência Artificial (em inglês), é só clicar aqui.
3- A visão da Disney para o futuro do Entretenimento
Falando em futuro… A Disney liberou um filme curto mostrando a Realidade Aumentada aplicada aos conteúdos da Disney +.
4 - Com quem passamos nosso tempo? (thread)
Recentemente salvei esta thread no Twitter que mostra alguns gráficos feitos a partir de dados da The American Time Use Survey and Our World in Data e compilados pelo escritor Sahil Bloom. Segundo os números, podemos concluir que o tempo que passamos com nossa família (pai, mãe, irmãos…) é limitado e ele diminui acentuadamente após os 20 anos de idade. O tempo que passamos com amigos também atinge seu pico aos 18 anos e depois vai diminuindo com o tempo. E com os filhos? Nosso tempo juntos também é limitado e depois que eles saem de casa, diminui vertiginosamente. E nosso tempo sozinho? Só aumenta durante a vida, atingindo o pico na velhice :(
Me lembrou bastante um post do Wait But Why, do Tim Urban, que li há alguns anos e que tinha também me impactado. Ambos colocam em perspectiva como nosso tempo é limitado e como devemos usá-lo de forma sábia. Tim Urban prevê verdades difíceis de digerir como por exemplo: só terei mais 60 banhos de mar até morrer, ou só lerei 100 livros até acabar minha vida. Pensamentos como esses nos levam a colocar em perspectiva nossas escolhas e direcionar nossa vida para amplificar momentos bons.
Do post do Tim Urban:
"Tenho pensado em meus pais, que estão na casa dos 60 anos. Durante meus primeiros 18 anos, passei algum tempo com meus pais durante pelo menos 90% dos meus dias. Mas desde que fui para a faculdade e depois me mudei de Boston, provavelmente os vi em média apenas cinco vezes por ano cada, por uma média de talvez dois dias de cada vez - 10 dias por ano. Cerca de 3% dos dias que passei com eles a cada ano da minha infância.
Estando na casa dos 60 anos, vamos continuar super otimistas e dizer que sou uma das pessoas incrivelmente sortudas por ter ambos os pais vivos nos meus 60 anos. Isso nos daria mais uns 30 anos de convivência. Se a coisa dos dez dias por ano se mantiver, sobrarão 300 dias para ficar com mamãe e papai. Menos tempo do que passei com eles em qualquer um dos meus 18 anos de infância.
Quando me formei no ensino médio, já havia usado 93% do meu tempo pessoal com meus pais. Agora estou aproveitando os últimos 5% desse tempo. Estamos no final da cauda".
5 - CARtoons - Atropelando a ditadura do automóvel (livro)
Comprei esse livro pela curiosidade de ver os Cartoons, quem sabe eu poderia copiar alguns, mas quando vi, já estava de pé na cadeira fazendo discurso contra os carros. O livro reúne diversos dados sobre o quanto o carro é prejudicial à sociedade e à nossa saúde. Ele questiona o grande espaço que o carro ocupa em nosso imaginário e em nossas cidades e advoga a favor do transporte público e das bicicletas. Fiquei sonhando com esse outro mundo onde o carro poderia perder sua hegemonia, mas fui chamada à realidade com o meu filho adquirindo subitamente uma paixão por carrinhos de brinquedo. De uma hora para a outra ele passou a desejá-los e brincar de dirigir pequenos Porsches ou Fusquinhas. Conclui que o fascínio do ser humano pelo carro pode ser difícil de mudar de uma hora para outra.
Um trechinho:
"Está claro que o sucesso de vendas da indústria automobilística não se deve simplesmente à disposição dos clientes a comprar, mas também às políticas públicas que ignoram a necessidade de rapidez no trânsito, fomentam a construção de rodovias e prestam outros serviços que tornam possível o crescimento dessa sub-economia do automóvel. Está claro também que os fabricantes confiam cada vez mais na demanda por automóveis que eles mesmos encorajam, e que é algo muito diferente da demanda por transporte, legítima"
Ralph Nader, "Unsafe at Any Speed: The Designed-in Dangers of the American Automobile" 1965.
6 - How to have Fun - Wendy MacNaughton for the NYT
Falando em desenhar, acompanho desde sempre o trabalho da Wendy MacNaughton e mais recentemente tenho seguido também seu projeto Draw Together que começou na pandemia para ensinar crianças e adultos a desenhar (newsletter aqui). Nesta reportagem visual feita para o The New York Times, Wendy investiga como retomar a alegria e diversão. No final, ela pede para as pessoas desenharem o que as diverte, postar e marcar com a hashtag (pra ver os desenhos das pessoas, clique aqui).
7 - Assassinas - HBO MAX
Uma investigação maravilhosa sobre o assassinato do meio irmão do ditador norte-coreano Kim Jong Un. Talvez você se lembre, das duas mulheres que soltaram um pó altamente tóxico contra Kim Jong-nam em um aeroporto na Malásia. Neste documentário norte-americano de 2020, o diretor mergulha no julgamento das duas garotas e entrega um clímax inesperado.
8 - Minha viagem ao espaço me encheu de uma 'tristeza esmagadora' - artigo de William Shatner
William Shatner, ator de Star Trek, viajou ao espaço com a nave Blue Origin, de Jeff Bezos, em outubro de 2021. Aos 90 anos, ele se tornou a pessoa mais velha a viajar para fora da Terra. Ele conta em detalhes como foi sua experiência e revela que se sentiu extremamente triste.
Um trechinho:
Eu pensei que ir para o espaço seria a catarse final daquela conexão que eu estava procurando entre todas as coisas vivas – que estar lá em cima seria o próximo belo passo para entender a harmonia do universo. No filme “Contato”, quando a personagem de Jodie Foster vai para o espaço e olha para o céu, ela deixa escapar um sussurro atônito: “Eles deveriam ter enviado um poeta”. Tive uma experiência diferente, porque descobri que a beleza não está lá fora, está aqui embaixo, com todos nós. Deixar isso para trás tornou minha conexão com nosso pequeno planeta ainda mais profunda.
Foi um dos sentimentos mais fortes de pesar que já encontrei. O contraste entre a cruel frieza do espaço e o carinho caloroso da Terra abaixo me encheu de uma tristeza avassaladora. Todos os dias, somos confrontados com o conhecimento de mais destruição da Terra em nossas mãos: a extinção de espécies animais, da flora e da fauna. . . coisas que levaram cinco bilhões de anos para evoluir e, de repente, nunca mais as veremos por causa da interferência da humanidade. Isso me encheu de pavor. Minha viagem ao espaço deveria ser uma celebração; em vez disso, parecia um funeral.
9 - Mike White sobre criatividade (link)
Mike White é o criador da ótima série White Lotus e de outras como Enlightned (bem legal também na HBO) e de filmes como Escola do Rock. Aqui ele fala um pouco sobre seu processo criativo e dá a letra: "escrever é um trabalho, mas deveria ser divertido. Se você não está empolgado para voltar ao computador, talvez algo esteja errado com suas ideias. Você deveria escrever sobre outra coisa, talvez".
10 - Karen Carpenter quebrando tudo
E pra fechar, uma mulher baterista muito foda. Segundo o Google, “Karen Carpenter foi uma cantora e baterista americana que, junto com seu irmão mais velho Richard, fez parte da dupla Carpenters. Ela foi elogiada por seus vocais contralto, além de suas habilidades de bateria terem sido vistas positivamente por outros músicos e críticos".
Até a próxima!