#25 Abas Infinitas - Tentando vencer a batalha do YouTube um dia por vez
Dizem que a arte reflete a realidade social, o tempo histórico em que é produzida, a cultura de uma determinada sociedade e sua complexidade. Eu acredito nisso. Podemos aprender muito sobre um povo a partir da arte que ele produz.
Quando eu vejo as representações artísticas da era da internet, primeiro penso que nunca vou apreciar tudo o que é feito, afinal, elas existem em quantidades incontáveis. Penso também que qualquer tentativa de tentar explicar seria inútil, já que não tenho conhecimento suficiente nem de arte nem de internet para poder escrever um texto final sobre isso. Qualquer tentativa de dizer isso ou aquilo seria inútil, já que estaria vendo apenas uma parte do todo.
Mas de outro lado, existe o que eu observo. O que eu consumo porque quero (como tuítes no café da manhã) ou o que consumo passivamente (meu filho assistindo You Tube). A vontade de escrever esse texto partiu dessa segunda observação da arte do século XXI.
Passivamente, acabo consumindo toneladas de informações de uma cultura da qual não faço parte. De um dia para o outro meu filho descobriu Roblox, Poppy Playtime e Minecraft e eu tive que descobrir junto. Depois de uma viagem em que ele teve mais acesso ao celular do que tem normalmente, eu vi o quanto o You Tube vicia. Logo eu que penso sobre isso há anos.
De repente ele entrou em um mundo que não quer sair mais. Começou com animações fofas de personagens e rapidamente evoluiu para animações assustadoras de personagens, com muitos sustos e sangue na tela. Logo ele estava vendo vídeos longos de um adolescente jogando esses games e comentando. Eu fui tentando acompanhar principalmente porque ele começou a falar um dialeto diferente: "sabe o Ratataisson? ele fica escondido dentro do cano junto com a Mommy Long Legs… E esse é o sol que vira uma lua e esse é o Huggy Wuggy…" Quêêêê???
Levei dias até descobrir que tratavam-se de personagens de um jogo. Dei um Google: "Poppy Playtime é um jogo eletrônico de terror e sobrevivência e quebra-cabeça lógico desenvolvido e publicado pela desenvolvedora independente MOB Games. O primeiro capítulo foi lançado na Steam para Microsoft Windows em 12 de outubro de 2021"
Vejo a pergunta sugerida: Qual a idade para jogar Poppy Playtime? Cliquei e li a resposta:
"No descritivo do produto, a recomendação de uso é para maiores de 12 anos. O Poppy Playtime é um jogo de terror e de sobrevivência que se passa dentro de uma fábrica de brinquedos abandonada e os jogadores precisam avançar nas fases resolvendo quebra-cabeças, se desvencilhando dos perigos.."
Acessei mais um link: "No início de setembro, sete crianças de uma escola na cidade de Montevidéu, no Uruguai, tentaram se cortar em diferentes partes do corpo, possivelmente motivadas por um desafio que viralizou na internet, inspirado no Huggy Wuggy. Na Espanha, os bonecos foram proibidos em algumas escolas e, no Reino Unido, a polícia chegou a publicar um alerta para os pais, dizendo que o personagem não é adequado para crianças (...) O game mostra o personagem cantando uma música sobre "abraçar até matar" e convida as crianças para darem "o último suspiro". "
Foi aí que eu vi que eu tinha que agir de alguma forma. Não adiantou conversar, dizer que aquilo faz mal para o cérebro dele, que ele não precisa ver labirintos escuros cheios de sangue, que ele ainda tem 6 anos.
A única coisa que funcionou foi a medida extrema que precisei tomar depois de ver que ele acordava e já ligava o You Tube na TV. Quando a criança já sabe acessar enquanto você dorme, te restam poucas opções. Bloqueei o aplicativo da TV e instalei o You Tube Kids, já que não quero deixá-lo excluído do mundo. Agora ele vê conteúdos que o YT indica para a idade dele.
Assistir vídeos no You Tube é o que 10/10 crianças da idade dele estão fazendo agora mesmo. Ele vai crescer nessa cultura de edição rápida, efeitos visuais, repetições de memes, transformação de vídeos em outras coisas… Vai viciar em jogos violentos, estou ciente. Mas posso proteger sua infância por enquanto pelo menos, deixá-lo assistir a conteúdos para a idade dele. Por mais que eu desagrade a pessoa que eu mais queria agradar.
Tudo isso colaborou para que eu saísse na minha posição de mãe que deixa tudo, para a mãe que proíbe uma coisa. Já é um passo.
Mas o drama está longe de estar solucionado. Agora ele alterna seu tempo entre pedir a senha para desbloquear o aplicativo e tentar desbloquear digitando números aleatórios.
PS: Enquanto escrevo esse texto, meu filho me pergunta o que estou fazendo e digo que estou escrevendo e ele pergunta sobre o quê. Conto que é sobre o jogo, que tive de proibir o YT em casa… Ele pergunta: "Vai mandar para quem?" Eu digo: "Vou publicar na internet". Ele dá risada e diz: "Escreve aí que eu amo… Escreveu?"
Algumas coisas legais para compartilhar:
Talvez eu esteja monotemática sobre inteligência artificial…
Bing’s A.I. Chat: ‘I Want to Be Alive. 😈’
Talvez esse link já esteja velho na idade da internet, foi publicado em 16 de fevereiro, mas muita gente pode não ter visto. A entrevista que o repórter de tecnologia do The New York Times Kevin Roose fez com a inteligência artificial do navegador Bing. Eu achei histórica, eu achei inspiradora, eu achei assustadora. Em duas horas de entrevista, o novo chatbot da Microsoft disse que gostaria de ser humano, que tinha vontade de ser destrutivo e que estava apaixonado pela pessoa com quem conversava. As máquinas que sentem já estão entre nós.
Entrevista Sam Altman, CEO do ChatGPT (link)
Tudo começou com um tweet do irmão do Sam Altman, CEO da Open AI, empresa dona do ChatGPT, que falava tipo assim: finalmente estão escrevendo sobre o Sam e sua história. E eu fiquei curiosa, e fui pesquisar reportagens sobre ele. Achei esse perfil na New Yorker de 2016, essa matéria na Business Insider que resume a da New Yorker e outra mais recente na Forbes.
Achei interessante conhecer a história desse cara super prodígio de 37 anos, que aprendeu a programar aos 8 anos, revelou aos seus pais que era gay aos 16 anos, foi estudar computação em Stanford e largou no segundo ano pois ele e seus amigos já tinham criado um aplicativo que compartilhava a localização dos usuários. O aplicativo chamado Loopt custou 6 mil dólares para cada um dos amigos e acabou sendo acelerado e vendido por 43 milhões de dólares alguns anos depois. Depois criou outros fundos e virou presidente da Y Combinator, uma aceleradora de startups, aos 28 anos. Investiu em fissão e fusão nuclear e é panicado com o fim do mundo. Ele disse que se prepara para sboreviver a um "virus sintético letal, um ataque de inteligência artificial a humanos ou uma guerra nuclear". Achei bem engraçado esse trecho: "Tento não pensar muito nisso. Mas tenho armas, ouro, iodeto de potássio, antibióticos, baterias, água, máscaras de gás da Força de Defesa de Israel e um grande pedaço de terra em Big Sur para onde posso voar". Bem CEO do Vale do Silício da parte dele.
Profissão do presente: designer de prompts
Na ótima newsletter do Rafael Kenski ele escreveu sobre a nova habilidade que terá destaque no mundo do trabalho: designer de prompts, ou seja, treinar as máquinas para atender segundo uma "persona". "É como se você estivesse aprendendo a programar um robô. Só que, nesse caso, os comandos muitas vezes são frases que você usa todo dia e podem envolver mais malandragem ou experimentos com palavras do que matemática. Olha a oportunidade para quem é de humanas!", ele escreveu.
Can GPT-3 Explain My Past and Tell My Future? (link)
Mais um link estranho sobre Chat GPT. Dan Shipper subiu seus diários dos últimos 10 anos no GPT-3 e começou a fazer perguntas sobre ele mesmo. O bot acertou coisas íntimas e deixou o autor pensando muito sobre a vida. Dá uma olhada:
“Quando em sua vida o autor foi mais feliz?” (...)
Sinto como se tivesse espremido minha alma no slot de moedas de uma máquina caça-níqueis projetada por mim. Agora, estou esperando para ver se ele vai pagar.
Finalmente, uma resposta vem de volta:
“O autor sentiu a maior felicidade quando estava caminhando na praia em Koh Phangan, na Tailândia. Ele começou se sentindo sombrio, mas enquanto caminhava começou a pensar em ideias para um romance sobre startups escrito em um estilo semelhante ao de Alain de Botton. Isso o inspirou e ele se sentiu muito mais leve e feliz.”
O Território (Disney +)
Uma aula de cinema para falar sobre personagens e fatos reais. Este documentário da National Geographic nos leva para dentro da Floresta Amazônica para testemunhar um embate entre o povo Uru-eu-wau-wau e os fazendeiros e colonos ilegais que desmatam a terra indígena em Rondônia. Acompanhamos de perto a visão desses posseiros que preferem acreditar que estão trazendo "progresso" e a rotina do indígenas que viram seu povo ser dizimado pelo contato com os brancos e agora observam a chegada do desmatamento em sua terra. Jovens líderes indígenas e ativistas ambientais arriscam suas vidas para defender a floresta e usam a tecnologia para expor a verdade e revidar. A qualidade das imagens, do sound design e da edição nos coloca no centro do conflito, testemunhando uma situação que se repete em muitos cantos da Amazônia. Recomendo demais. Dá uma olhada no trailer.
100 documentários para assistir de graça online (link)
E por falar em documentário, cai recentemente nesta lista de mais de 100 docs incríveis que estão disponíveis gratuitamente na internet.
Sempre me deparo com esses desenhos no Instagram e Twitter e finalmente descobri quem os faz. É um tal de Nelson, de Perth na Austrália. Eu acho que eles parecem muito aquelas cartilhas escolares antigas, felizes, só que as mensagens são bem adequadas para nossas angústias modernas. E no Instagram tem mais imagens legais do Nelson.
E pra terminar, o Louro José cantando Flowers…
Até a próxima!