#27 Abas Infinitas - Dando nome às coisas: o Tecnopólio
Eu tenho mania de comprar livros e depois travar para lê-los. Mas ainda bem que de vez em quando eu os tiro da estante e mergulho neles. Technopoly, do Neil Postman, eu comprei em 2017, e só peguei para ler agora em 2023. Na época, foi uma indicação do Austin Kleon, que por sua vez, indicava um artigo do filho do Neil Postman no The Guardian (essa newsletter não se chama Abas Infinitas à toa).
O texto tinha o título: Meu pai previu Trump em 1985 – não é Orwell, ele avisou, é Admirável Mundo Novo. Achei tão fantástico saber que um professor de crítica cultural tinha um livro que previa muitos dos desafios que enxergo hoje na sociedade hiperconectada, que acabei comprando logo dois livros dele: Technopoly e Amusing Ourselves to Death. Quando chegaram, foram para a estante.
Mas finalmente eu abri este oráculo e senti como se estivesse lendo uma profecia. Isso porque o livro foi escrito há 31 anos, em 1992, e ao mesmo tempo é muito atual. Encontrei vários paralelos com o que estamos vivendo hoje.
Em uma entrevista, o autor definiu o assunto do livro: "é sobre a tendência da cultura americana de se entregar à soberania da tecnologia, entregar o controle sobre todas as nossas instituições sociais a ela. Em outras palavras, o livro é sobre como a América desenvolveu uma nova religião que acredita que o progresso humano e a inovação tecnológica são a mesma coisa e que o paraíso pode ser alcançado através de um compromisso cada vez maior com a tecnologia".
Ele define logo no começo do livro que as inovações tecnológicas não são boas ou ruins, mas sim, boas e ruins.
“Devido à sua relação longa, íntima e inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame atento das suas próprias consequências. É o tipo de amigo que pede confiança e obediência, algo que a maioria das pessoas tende a dar porque seus presentes são verdadeiramente generosos.
Mas, é claro, há um lado negro neste amigo…. Toda tecnologia é ao mesmo tempo um fardo e uma bênção; não um ou outro, mas isto e aquilo. Nada poderia ser mais óbvio, é claro, especialmente para aqueles que dedicaram mais de dois minutos para refletir sobre o assunto. No entanto, estamos rodeados por multidões de profetas caolhos que vêem apenas o que as novas tecnologias podem fazer e são incapazes de imaginar o que irão desfazer.”
Neil Postman traz um termo novo para definir a era em que vivemos: Tecnopólio. Nesta sociedade, a tecnologia é vista como um Deus e “a cultura procura a sua autorização, encontra as suas satisfações e recebe as suas ordens da tecnologia”. A tecnologia torna-se, portanto, o centro da cultura.
Para chegar à essa conclusão, o autor analisa sociedades primitivas, que ele chama de "culturas que usam ferramentas" (tool-using cultures), que são aquelas em que novas tecnologias foram criadas para resolver problemas físicos, como o caso das lanças, os utensílios de cozinha e os moinhos d'água. Essas culturas eram ainda muito orientadas pela política, pela religião, e pela história.
Porém, conforme as ferramentas foram evoluindo, e ele cita, por exemplo, a criação do Telescópio, elas foram adquirindo o poder de reinventar o mundo à sua volta. O Telescópio destruiu crenças religiosas milenares e desorganizou a sociedade em que estava inserido. Galileu Galilei foi perseguido e julgado pela Igreja Católica, que considerava suas teorias controversas e polêmicas. Mas depois, o mundo se reorganizou completamente com suas descobertas.
Outra tecnologia que é tão naturalizada que nem parece que foi inventada é o relógio e a marcação do tempo em horas, minutos e segundos. Nem sempre foi assim. O relógio tem sua origem ligada aos mosteiros Beneditinos, entre os séculos XIII e XIV. Era preciso criar uma regularidade para os sete momentos de reza diários da rotina dos monges e o relógio mecanico trouxe a precisão necessária para aquela necessidade. O que os monges não esperavam é que ele seria responsável por sincronizar e controlar as ações do homem para sempre. O relógio tornou possível a ideia da produção regular, as horas de trabalho e a produção padronizada. Sem o relógio, o capitalismo não teria sido possível.
Outra invenção tecnológica que reorganizou o mundo à sua volta é a televisão. Ela mudou a visão da sociedade sobre “debate público", sobre entretenimento, sobre como contar uma história. Existe o mundo antes da TV e o mundo depois da TV.
Nas Tecnocracias, as ferramentas tecnológicas não só organizam o mundo à sua volta, como atacam a cultura para tentar ocupar seu lugar, subordinando as tradições, políticas e religiões existentes. Postman caracteriza uma tecnocracia como aquela que tem um "impulso incontrolável de inventar".
O Tecnopólio seria um estágio avançado deste cenário, com o agravante de ser totalitária. Nela, a tecnologia é quem manda na cultura e no mundo. Ela exige a "submissão de todas as formas de vida cultural à soberania da técnica e da tecnologia", escreve Postman.
O Tecnopólio elimina ativamente todos os outros "mundos de pensamento" e reduz a vida humana à busca de significado nas máquinas e na técnica. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência.
Caminhamos para um mundo onde decisões serão feitas por máquinas. Na verdade, isso já acontece quando o banco autoriza ou não crédito em seu nome, baseado em informações de compras e débitos existentes "no sistema". Planos de saúde autorizam (ou não) exames e cirurgias com base em seus dados. A tecnologia é soberana, e ainda nem estamos em uma fase avançada em que a Inteligência Artificial tomará decisões muito mais sérias sobre nós.
"Harold Innis, o pai dos estudos modernos de comunicação, falou repetidamente sobre os monopólios de conhecimento criados por tecnologias importantes. Aqueles que têm controle sobre o funcionamento de uma determinada tecnologia acumulam poder e inevitavelmente formam uma espécie de conspiração contra aqueles que não têm acesso ao conhecimento especializado disponibilizado pela tecnologia".
(...)
"Mas até que ponto a tecnologia tem sido uma vantagem para as massas populares? Aos metalúrgicos, feirantes, professores, mecânicos, músicos, pedreiros, dentistas e à maior parte do resto em cujas vidas o computador agora se intrometeu? Os seus assuntos privados tornaram-se mais acessíveis a instituições poderosas. São mais facilmente rastreados e controlados; são submetidos a mais exames, ficam cada vez mais perplexos com as decisões tomadas a seu respeito, são muitas vezes reduzidos a meros objetos numéricos".
Lembrando que esse livro foi escrito em 1992. Postman ainda não estava falando de um mundo hiperconectado em que cada like é computado por plataformas que reúnem todos os nossos dados e desejos e manipulam algoritmos para nos manter conectados e comprando sempre, é claro. Mas de certa forma, ele estava, sim, prevendo este mundo.
O celular se tornou em poucas décadas o centro da experiência humana. Não somos funcionais sem ele. Precisamos dele para acordar, trabalhar, sair de casa, para nos relacionar com nossos pais, amigos, namorados, pagar contas…
Em média, quem tem um smartphone desbloqueia seu telefone 150 vezes por dia e mais de 50% dos proprietários de telefones celulares nunca desligam seus smartphones. Aqui tem mais algumas estatísticas assustadoras como essas.
"A tecnocracia deu-nos a ideia de progresso e, necessariamente, afrouxou os nossos laços com a tradição - seja ela política ou espiritual. A tecnocracia trouxe a promessa de novas liberdades e novas formas de organização social. A tecnocracia também acelerou o mundo. Podemos chegar aos lugares mais rapidamente, fazer as coisas mais rapidamente, realizar mais em menos tempo. O tempo, na verdade, tornou-se um adversário sobre o qual a tecnologia poderia triunfar".
Já vivemos em uma sociedade que se rendeu à tecnologia. É algo que se relaciona com o que Wittgenstein escreveu sobre nossa mais fundamental tecnologia, a linguagem. "A linguagem não é apenas um veículo de pensamento, mas também o condutor".
Ao andar com uma câmera sempre à mão, tudo parece merecer uma foto. Ao ver centenas de posts diariamente, nosso olhar para o mundo passa a ser o do filtro das redes sociais. Essa tecnologia moldou o que consideramos "sucesso profissional", "férias dos sonhos", ou até "um relacionamento feliz". A partir do uso massivo do celular e das redes sociais, o humano se moldou para caber nesta linguagem. É ela quem nos conduz.
Karl Marx escreveu que "o modo como os indivíduos expressam suas vidas, é o modo como eles são". E hoje, somos fruto de uma tecnologia que invade nossas vidas, nossos pensamentos e nossas relações.
E termino com uma última citação, antes de eu pegar de novo meu celular para ver se tem alguma nova mensagem:
"Em culturas que têm um espírito democrático, tradições relativamente fracas e uma elevada receptividade às novas tecnologias, todos tendem a ficar entusiasmados com a mudança tecnológica, acreditando que os seus benefícios acabarão por se espalhar uniformemente por toda a população (...) Mas é preciso pensar para a quem a tecnologia dará grande poder e liberdade? E quem terá seu poder e liberdade reduzidos por essa nova tecnologia?"
Neil Postman faleceu em 2003 e foi crítico, teórico da comunicação e presidente do Departamento de Artes e Ciências da Comunicação da Universidade de Nova York. Escreveu mais de 20 livros durante sua carreira.
Alguns links legais que vi por aí:
1 - "A rendição da cultura à tecnologia” - Neil Postman
Se você quiser saber mais sobre as ideias de Postman, recomendo esta palestra de 1997, que tem o título: “A rendição da cultura à tecnologia”. Em um dos trechos, ele diz:
"Deixe-me assegurar-lhe que considero estúpido ser anti-tecnologia, isso seria algo como ser anti-alimento, já que precisamos da tecnologia para viver, assim como precisamos de comida para viver, mas é claro que se comermos demais, ou comer alimentos sem valor nutricional ou comer alimentos infectados com doença, transformamos um meio de sobrevivência em seu oposto. O mesmo pode ser dito das maneiras pelas quais usamos a tecnologia, ela pode ser usada para melhorar a vida e pode ser usada para diminuir nossa vida, o que significa que é estúpido ser categoricamente anti-tecnologia, mas certamente não é estúpido suspeitar profundamente da tecnologia pois está claro que as tecnologias e a mídia podem ter sérios efeitos em nossos modos de vida, em nossas instituições sociais, em nosso estado psíquico e nas nossas formas de experimentar o mundo".
Nesta palestra, ele propõe 7 perguntas que devemos fazer sempre que formos criar uma nova tecnologia:
1. Qual é o problema para o qual a tecnologia afirma ser uma solução?
2. De quem é o problema?
3. Que novos problemas serão criados ao resolver um problema antigo?
4. Que pessoas e instituições serão mais prejudicadas?
5. Que mudanças de linguagem estão sendo promovidas?
6. Que mudanças no poder económico e político poderão resultar?
7. Que meios alternativos podem ser criados a partir de uma tecnologia?
2 - Nem tão Sapiens assim…
Igualmente explodidor de cérebros, recomendo esse painel com o autor do livro Sapiens, Yuval Noah Harari. Ele fala que a revolução da Inteligência Artificial ainda está numa fase muito primitiva perto do que se tornará. Segundo ele, é como se biologicamente ela estivesse ainda no nível das amebas, e que devemos pensar como será quando ela evoluir ao ponto de produzir os T-Rex. Ele diz que é preciso ter uma regulamentação antes de soltar qualquer tecnologia na sociedade, principalmente de Inteligência Artificial. Nós fazemos isso com o lançamento de remédios, com o lançamento de carros. Eles são testados para efeitos colaterais, são considerados os riscos que podem criar para as pessoas. Com a IA não está sendo assim. Ela está livre para ser liberada e quebrar sistemas, profissões, cadeias de emprego, e toda a sociedade como ela está organizada hoje.
Vale muito a pena assistir a toda a palestra.
"O que me intriga é por que somos chamados de humanos sábios, ou seja, homo sapiens e, ainda assim, estamos engajados em tantas atividades autodestrutivas… E parecemos incapazes de nos impedir."
(…)
"Essas preocupações com a IA, tem gente que fala 'toda vez que há uma nova tecnologia as pessoas se preocupam com isso e depois fica tudo bem', só que não é o mesmo. Nenhuma tecnologia anterior na história podia tomar decisões. A bomba atômica podia destruir uma cidade inteira, mas ela não podia decidir qual cidade bombardear. Você precisava de um humano para isso. A IA é a primeira tecnologia que pode tomar decisões por si só, até mesmo sobre nós. Esta é a primeira tecnologia que pode criar novas ideias. Gutenberg imprimiu a Bíblia em meados do século 15, a imprensa imprimiu tantas cópias da Bíblia quanto Gutenberg instruiu, mas ela não criou uma única página nova, não tinha ideias próprias sobre se a Bíblia é boa, é ruim… Em alguns anos, poderá haver religiões cujo livro sagrado será escrito por uma IA".
(…)
"O maior risco é contra a democracia. Os algoritmos descobriram que a maneira mais fácil de chamar sua atenção é com ódio, indignação e medo. Agora, o campo de batalha não é mais para ganhar sua atenção, mas para criar intimidade com você. A maneira mais fácil de persuadi-lo a mudar sua visão política ou comprar algum produto é criar uma conexão íntima e isso destruirá a democracia. Porque a democracia é uma conversa entre pessoas. Se tudo se tornar uma conversa entre Bots e pessoas onde os Bots têm todo o poder, isso será o fim da democracia. Porque você pode fazer um amigo na internet, e criar confiança e logo depois ele começar a te manipular com ideias de ódio ou com posições políticas. Nós temos leis que determinam que é ilegal falsificar dinheiro. Se não houvesse essas leis, o sistema econômico teria entrado em colapso, porque é fácil falsificar dinheiro, mas se você fizer isso, você vai para a prisão por muitos anos. Deveria ser o mesmo com os humanos, até agora não havia tecnologia que pudessem emular um ser humano. Então deveria ser ilegal qualquer plataforma falsificar seres humanos, não dizer que trata-se de um robô com quem você está conversando. Provavelmente teremos médicos criados por IA, mas ele precisa dizer que é um robô".
3 - Chama lá o Techno Mechanicus pra tomar banho
Por falor em Tecnopólio, acabei esbarrando nessa notícia sobre Elon Musk que me deixou ainda mais perplexa. Seu terceiro filho com a cantora Grimes tem o nome Techno Mechanicus, ou Tau para os íntimos. Não pode ficar mais Tecnopólio que isso. Eles também tem os filhos Exa Dark Sideræl Musk e X Æ A-12, ou X, que por sinal é o novo nome da rede social que o papai comprou. Isso não quer dizer muita coisa, mas acho que quer sim. Se a cultura se rendeu à tecnologia, é normal que ela expresse isso, e qual símbolo maior que a escolha dos nomes que mostram quem é o Deus que opera no nosso mundo hoje. O fato dele dar nomes aos filhos que mais parecem equações matemáticas, mostra como o humano está dando espaço cada vez maior para o que é técnico, deixando a tecnologia vir antes do que é humano. Acabou de sair uma biografia do Musk escrita pelo Walter Isaacson e lá descobriremos mais coisas horríveis sobre o segundo homem mais rico do mundo e um dos mais influentes da nossa era.
Pesquisando mais sobre o Elon Musk, fui investigar sobre a Neuralink, sua empresa de neurotecnologia, que tem o objetivo de integrar o cérebro humano com a Inteligência Artificial e foi fundada por ele em 2016. A empresa, que ainda está nos primeiros estágios da existência, está trabalhando em formas de implantar dispositivos em nossos cérebros para criar interfaces entre a mente e o computador.
4 - A última fronteira: proteger nossos pensamentos (link)
E por falar em chips cerebrais, estamos à beira de uma explosão de neurotecnologia barata e pronta para o consumidor – desde fones de ouvido que coletam nossos dados comportamentais até sensores que podem ler nossos sonhos. E tudo será turbinado pela IA. Esta tecnologia está passando de nicho para se tornar popular. Neste podcast do Center for Humane Technology, a acadêmica jurídica Nita Farahany nos fala sobre o estado atual da neurotecnologia e seus vínculos profundos com a IA. Ela diz que precisamos proteger urgentemente a última fronteira da privacidade: nossos pensamentos internos. E ela argumenta que sem um novo quadro jurídico em torno da “liberdade cognitiva”, não seremos capazes de isolar os nossos cérebros da intrusão corporativa e governamental.
"Já estamos vendo uma neurotecnologia mais invasiva do que imaginamos. Vários fatores convergiram nos últimos anos para tornar esses avanços possíveis. Os sensores ficaram mais baratos e menores e agora cabem em dispositivos multifuncionais como relógios, fones de ouvido e fones de ouvido. Fomos além de aplicações de nicho – como meditação ou neurofeedback para fins terapêuticos – para usar nossa atividade cerebral como uma forma de substituir dispositivos periféricos como um mouse ou um teclado. (...) É perturbador imaginar o potencial uso indevido por parte de empresas, regimes autoritários e agências de aplicação da lei.
(...)
Há um problema familiar com o modelo de negócios. Quer admitam ou não, algumas empresas de tecnologia há muito defendem que a abordagem do cérebro é: como podemos explorá-lo e viciá-lo? Quando essas mesmas empresas ganham novas capacidades através das aquisições que fazem, como a Neuralink de Elon Musk, surge um quadro preocupante.
(...)
Tudo isto levou a fortes assimetrias de poder. Quando você coloca um capacete desajeitado ou está em uma máquina FMRI, você consentiu ativamente com um processo. Mas quando os sensores se tornam invisíveis, você pode não estar pensando na quantidade de dados privados que estão realmente sendo gerados. E se esses dados forem armazenados, eles poderão ser explorados mais tarde e investigados em busca de muito mais. Costumava haver cinco domínios de guerra (terrestre, marítimo, aéreo, espacial e de informação). O cérebro humano pode ser o sexto.
(...)
Existem benefícios oferecidos pela neurotecnologia vestível, mas precisamos implementar uma reformulação da liberdade cognitiva. A capacidade de monitorar coisas como estresse, capacidade de atenção, níveis de aptidão cognitiva e depressão nos permitirá intervir mais rapidamente e inaugurar uma nova era de avanços, mas isso também pode ser usado para manipular pessoas em massa."
5- Os samples mais icônicos do HipHop de 1973-2023
Pra dar uma fugida do apocalipse tecnológico, um pouco de música. Trombei com esse link que é puro ouro pois mostra os samples mais marcantes usados pelo HipHop, dos anos de 1973 a 2023, feito pelo perfil Tracklib.
6 - O Grande Buster Keaton
Também em busca da resistência ao Tecnopólio, comecei a ver os filmes de Buster Keaton. Filmes de mais de cem anos, que não são trazidos por algoritmo nenhum. Fazia tempo que queria conhecer mais sobre sua obra e não sabia onde encontrar os filmes. Minha porta de entrada foi o documentário The Great Buster, de 2018, disponível no MUBI. Lá, passeei pela história da sua vida e principalmente pelo seu cinema, tão inovador. Buster Keaton é maior que Chaplin, pega essa. Aí comecei a procurar pelos filmes no YouTube e um é melhor que o outro. Buster Keaton começou no showbiz ainda criança fazendo participações circenses com seus pais e praticamente criou o cinema mudo. Os roteiros são extremamente dinâmicos e até hoje seriam considerados difíceis de produzir. Cada cena é uma obra de arte e o que é mais marcante é sua atuação corporal. Ele eliminava ao máximo as cartelas com texto e achava que a história tinha que ser contada visualmente, algo que continua valendo até hoje no bom cinema. Li que ele quebrou quase todos os ossos do corpo ao longo de sua carreira artística longeva pois abusava das quedas, saltos, pulos e porradas que levava. O que torna tudo ainda mais especial é que cerca de 50% das cenas são improvisadas, ou seja, ele era gênio mesmo. Recomendo começar por One Week, de roteiro enxuto próprio para nossos tempos de atenção reduzida. Depois vá para The General, com cenas eletrizantes gravadas em trens e considerado um de seus melhores filmes. The General traz uma das cenas mais caras do cinema, que mostra um trem caindo de uma ponte que se desfaz no ar. Também tem o ótimo Neighbors, O Vaqueiro, The Cameraman e The Goat para explorar, todos muito bons. Recomendo assistir a esse vídeo aí de cima também, do canal “Every Frame a Painting” que explica um pouco mais porque seu cinema foi tão inovador.
7 - A distância é o que gera o desejo?
Li esse trecho na ótima newsletter da Carol Bensimon e fiquei pensando um pouco sobre a vida. Ela fala sobre a terapeuta de casais belga Esther Perel:
"Esther Perel percorreu mais de vinte países perguntando às pessoas o seguinte: em que momento você se sente mais atraído pela sua companheira/por seu companheiro? Houve dois tipos de respostas recorrentes. O primeiro tipo implicava distância: quando ela está viajando, quando estamos separados, quando nos reencontramos. “Basicamente”, comenta Perel, “quando reencontro minha capacidade de me imaginar com minha companheira, quando minha imaginação volta à cena, quando consigo me fixar na saudade e na ausência, que são componentes importantes do desejo.”
Perel acha o segundo grupo de resposta recorrentes ainda mais interessante. Me sinto mais atraída pela minha companheira, dizem essas pessoas, quando ela está no trabalho, quando está no palco, quando está em seu elemento, quando está fazendo algo pela qual é apaixonada, quando a vejo em festas e as pessoas em volta estão interessadas nela. Quando a pessoa, em resumo, está radiante e exalando auto-confiança.
“É quando estou olhando para minha companheira de uma distância confortável”, continua Perel, “e essa pessoa, que é tão familiar, tão conhecida, se torna momentaneamente algo misterioso de novo. Porque às vezes, como diz Proust, o mistério não envolve viajar para novos lugares, mas olhar com novos olhos.”
E para quem está pensando em escrever, mas sempre se bloqueia, aqui está um sinal para começar:
(peguei em alguma newsletter e esqueci o crédito! se alguém souber, só falar!)
Até a próxima!