#37 Abas Infinitas - Um pouco de escapismo não faz mal a ninguém
Devemos tomar banho de floresta, não queimar as florestas.
Não sei se foram as queimadas no Brasil inteiro ou a campanha eleitoral completamente fora de controle. O fato é que ultimamente está difícil se manter esperançosa com a vida em um país (e em um mundo) que parecem acelerar rumo ao fim de tudo. Múltiplas guerras estão em curso e podem possivelmente caminhar para uma guerra ainda maior. Perdemos o contato com a natureza que era o que nos fazia humanos. Literalmente tacaram fogo em tudo, sem pensar que isso é irreversível. A tarefa de retomar a esperança ficou relegada a um nível individual, enquanto o dano é coletivo e definitivo.
Só nos resta fugir um pouco da realidade através da leitura, do entretenimento, da família, e por quê não, do trabalho. Nos resta seguir tentando fazer o bem no micro, ser bom para os vizinhos, continuar comendo salada. Não vamos consertar sozinhos o coletivo, mas se todos fizerem a sua parte pode ser que seja o suficiente para segurar aqueles que querem destruir tudo e não se importam com nada.
Li na newsletter da Carolina Ruhman Sandler sobre o termo judaico "Tikkun olam". Segundo ela, trata-se da ideia de reparação do mundo, e que essa função seria encarada pelo judaísmo como um trabalho coletivo e não algo que se espera apenas do divino.
"A frase vem da Cabala, que diz que o propósito de nossas vidas é consertar o que está quebrado no mundo. Como explica Noah Feldman no livro To Be a Jew Today, a Cabala conta que no momento da criação do universo, o D's infinito se contraiu, estilhaçou e quebrou em milhões de pedaços. Nossa missão em Terra é reparar a quebra, através do seguimento dos 10 mandamentos e a realização de boas ações".
Seguimos portanto tentando reparar a quebra, na medida do possível. O que me lembra dessa frase do George Saunders, escrita em 2020.
"Você está, na minha opinião, fazendo muito bem simplesmente por se levantar de manhã, sendo tão presente e gentil quanto possível, mantendo viva a sanidade no mundo, para que, algum dia, quando (e se) isso passar, o país possa encontrar o seu caminho de volta à normalidade, com a sua ajuda e a ajuda de pessoas como você. Nisto você é, e eu sou, espero, como pessoas das cavernas, cultivando um pequeno vestígio remanescente de fogo durante um período escuro". ( “Love Letter”, de George Saunders, 2020)
Algumas coisas legais que vi por aí recentemente:
O termo japonês Forest Bathing (shinrin-yoku)
O termo japonês Forest Bathing (shinrin-yoku) significa literalmente tomar banho de floresta. Popularizado como termo apenas em 1982 por Tomohide Akiyama, então Diretor da Agência Florestal Japonesa, pode ser pensado como a prática intencional de se cercar da natureza e estar atento a cada sentido como forma de recuperar a saúde mental e física. Tenho sentido os benefícios do banho de floresta toda vez que vou a um parque ou sinto a natureza perto. Sinto o nível de estresse baixar, presto a atenção no ritmo do vento e das árvores que se mexem com ele e consigo finalmente recarregar minha bateria humana
Um Dos Nossos: David Chase e a Família Soprano (2024, Max)
Esse documentário em duas partes é interessante principalmente pela forma como destrincha a arte de escrita de roteiros para a TV, mergulhando em uma das maiores séries já feitas até hoje: Família Soprano. Ao mergulhar na personalidade do seu criador e questionar sua visão sobre a criação dessa obra, entendemos melhor como essa série foi feita, desde a escolha dos atores até os rumos mais sombrios que a história tomou - com o ápice no final que é discutido até hoje. O efeito colateral é que dá vontade de assistir toda a série de novo, mas são 7 temporadas, quem teria tempo para isso novamente?
O podcast Wiser than Me - de Julia Louis-Dreyfus
Essa dica não é nova, mas continua valendo. Julia Louis-Dreyfus, atriz de Veep e Seinfeld, entrevista mulheres mais velhas (e sábias) que ela. A última temporada está muito boa. Eu amei as entrevistas com Jane Fonda, Isabel Allende, Ruth Reichl, Diane Von Furstenberg, Patti Smith - cada uma em sua especialidade, trazendo sabedoria sobre a vida, o envelhecimento, sobre ser mulher. O que dizer da feminista que já cravou seu nome na história Glória Steinem contando que vive sozinha em Nova York mesmo tendo 90 anos sem filhos e família por perto? Ou da Isabel Allende contando que foi infeliz a vida toda no casamento e que se sente culpada por ter abandonado os filhos para ir atrás de um amor na Espanha? A conversa quase sempre adota um tom franco e intimista com revelações que geram insights para quase tudo na vida, e energia para continuar seguindo.
Bob Burnquist: A Lenda do Skate
Um documentário em várias partes que conta a trajetória de um dos maiores nomes do skate brasileiro e mundial: Bob Burnquist. Ele é mais que um skatista, ele é um desafiador da gravidade e das convenções humanas. A energia de Bob para desafiar tudo o que as pessoas acham como possível ou prudente é algo que impressiona. A cada episódio você vai ficando cada vez mais boquiaberto com a nova coisa que ele foi capaz de fazer. Sua energia juvenil empresta o gás que a gente precisa nos dias de hoje.
Crooklyn - Spike Lee
Andar a pé é uma das minhas coisas preferidas. E aqui na Barra Funda sempre encontro algo novo, um bar, uma loja, um comércio de bairro. Outro dia explorei um sebo aberto por uns amigos jovens nerds, chama Casa Elefante. Tem muitos vinis, livros, cds e dvds. E lá achei essa obra-prima que é o filme Crooklyn do Spike Lee em DVD. Eu nunca tinha ouvido falar desse filme e valeu cada centavo. É um retrato autobiográfico que mostra a vida de uma família composta por uma professora, seu marido que é músico de jazz e seus cinco filhos que moravam no Brooklyn em 1973. É uma história de pobreza, de dificuldades da vida e traz o amadurecimento desses personagens por causa das dificuldades. Uma história que parece muito real pois é humana. Não sei por que não está disponível no Streaming, mas com certeza foi bom ter comprado o dvd pois espero reassisti-lo muitas vezes.
Documentário sobre o Spielberg - MAX
Há um tempo tenho mergulhado na obra do Spielberg, reassistindo aos filmes clássicos e descobrindo outros que nunca tinha visto com meu marido e meu filho. Filmes como De Volta para o Futuro, Tubarão, Jurassic Park, Os Goonies, E.T, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Indiana Jones... Spielberg é o diretor que tem mais filmes na lista dos 100 Melhores Filmes Americanos de Todos os Tempos, feita pelo American Film Institute. E ficou muito mais claro como ele é gênio depois que assisti a esse documentário sobre sua vida. Ele foca nos filmes que ele fez de forma cronológica apontando quais as dificuldades que enfrentou na época e principalmente o quanto ele colaborou para que aquela obra se tornasse um clássico. Eu já tinha assistido ao filme que o Spielberg fez sobre sua própria vida, Os Fabelmans, então foi um complemento real do que vi na ficção (por exemplo sobre a separação de seus pais e o efeito que ela teve sobre ele). Nesse filme fica muito claro que houve um momento no cinema onde despontaram grandes diretores, que ainda eram jovens na época e que ficaram amigos, e que foram responsáveis por criar os melhores filmes dos últimos 40 anos. Na turma, além de Spielberg estavam Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Brian de Palma, entre outros… Fica também claro que o sucesso dele é muito porque conta com um time de profissionais muito capazes que já conhecem sua visão e ajudam a criar na tela o efeito desejado por ele. O mais chocante é saber que ele só ganhou duas vezes o Oscar de Melhor Diretor, com A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan.
Céline Dion na França em 1982, 42 anos antes de cantar literalmente dentro da Torre Eiffel.
E para terminar, uma frase de Nick Cave sobre a alegria:
"Tenho uma vida plena. Uma vida privilegiada. Uma vida sem perigos. Mas às vezes as alegrias simples me escapam. A alegria nem sempre é um sentimento que nos é concedido gratuitamente; muitas vezes é algo que devemos buscar ativamente. De certa forma, a alegria é uma decisão, uma ação, até mesmo um método de ser praticado. É algo conquistado e que é realçado pelo que perdemos – pelo menos é o que parece. Minha pergunta é: onde ou como você encontra sua alegria?"
Até a próxima!