#40 Abas Infinitas - Escrevendo pelas beiradas
“The most valuable skill isn't inspiration but the ability to work without it.”
Eu passei alguns meses bloqueada com a escrita, mesmo tendo começado o ano super empolgada em escrever um texto por dia. É que a vida ficou completamente ocupada com o trabalho e a reforma da minha nova casa, seguida da mudança para esse novo espaço. É como se já tivesse terminado o primeiro semestre para mim, pela quantidade de vida que já vivi.
Agora, tenho uma mesa enorme, e não consigo me acostumar com isso. É que sonhei tanto com um espaço criativo ao longo dos anos que parece que simplesmente isso não aconteceu, não pode ter acontecido, onde já se viu sonhos se realizarem? Até hoje só tinha tido uma mesa legal, há mais de dez anos, e por poucos meses. Era em um apartamento que eu montei e desmontei logo depois. Já naquela época eu não sabia lidar com tudo perfeito, por isso nunca me sentava nela. Era quase um showroom da vida criativa ideal, um altar para a ideia de um dia conseguir escrever algo legal. Lembro que tinha porta lápis, uma máquina de escrever que comprei vintage e reformei, tudo perfeito pegando poeira enquanto eu assistia tv no meu computador deitada na cama.
Quem lida com o bloqueio criativo, sabe do que estou falando. A gente sente que precisa que tudo esteja perfeito para começar. E quando está, simplesmente não consegue habitar esse lugar de desejo. A Julia Cameron, em seu livro O Caminho do Artista, orienta os criativos bloqueados a fazerem coisas doidas como replantar uma planta em um vaso maior. Segundo ela, isso abre espaço para enxergar as coisas de forma diferente, e a abrir mais espaço para ser criativo. Às vezes tudo o que você precisa é de uma mudança de perspectiva. Acho que inconscientemente foi isso que fiz com a mesa. Consegui uma mesa tão grande, que agora meus sonhos vão ter que ficar grandes para caber nela.
Fiquei um tempão desenhando mentalmente (e fisicamente) a planta do quarto para fazer caber uma cama e uma mesa. Mas no fundo eu não queria qualquer mesa. Eu tinha saído de uma mesa pequenininha, agora eu queria uma mesa grandona. Medi o espaço várias vezes, como se a cada tentativa eu desse uma chance do quarto ser maior. Conclui que precisava de uma cama menor. Mesmo assim, parecia que o sonho de ter uma mesa grande ia bater na trave. No máximo, ia ter uma mesa um pouco maior que a outra. Mas um dia, durante a obra, entrei no quarto e enxerguei tudo diferente. Eureka!
Era só eu priorizar o que meu coração estava pedindo. Quero uma mesona? Vai ter que ser na maior parede. A cama que lute para se encaixar no que sobrar do quarto. Com o budget estourado, resolvi comprar uma enorme madeira de 2,5 metros na Leroy Merlin e ocupar a parede toda. Só no dia da mudança, quando coloquei o colchão e a cadeira foi que descobri que tinha dado tudo certo. Até a altura da mesa!
Encarei como um presente do universo ao meu “eu criativo”. Ainda fico boba olhando minha área de trabalho e penso que agora não tenho desculpas para não escrever aquela série sobre São Paulo que eu queria escrever, ou aqueles mil livros que um dia comecei.
Concomitantemente a todo esse processo, li um post da Dani Arrais sobre mulheres que escrevem. Nele, as mulheres contam como fazem para escrever quando têm mil outras atribuições na vida como trabalho e filhos.
“Lutei muito até entender que é nas brechas onde escrevo mais. O tempo privilegiado, limpo e só é a exceção, o luxo. E é imprescindível também, claro. Que ninguém se engane. Mas a escrita, na minha realidade de mãe de um bebê e que trabalha em diversas outras coisas, é tentar conseguir as melhores e mais duradouras brechas que estiverem ao meu alcance e me alegrar com elas, ser inteira nelas”, contou Clarice Freire.
“A grande maioria de nós, escritoras, não tem nem dinheiro e nem um teto todo seu, só tem a urgência de escrever e contar suas próprias histórias. Então, a gente escreve: dentro do ônibus ou no metrô, entre uma tarefa e outra, antes de todo mundo acordar, no horário de almoço ou quando todos já foram dormir, enquanto amamenta/alimenta a sua criança ou quando ela está na escola. Acho que a nossa escrita se faz nas brechas, mesmo que consigamos abrir um tempo maior e constante na rotina para escrever, simplesmente porque não é apenas escrever que nós precisamos fazer”, disse Lubi Prates.
“Hora do almoço. 30 min pra comer. 30 min pra escrever? De segunda a sexta. O que acontece? É testar. Só se sabe escrevendo. Estando disponível. E não olhar. Não julgar. Estar no mar aberto esperando a onda vir”, sugeriu Gabriela do Amaral.
Ouvir essas mulheres, ter uma recém conquistada mesa, tudo isso me fez ver que não dá para esperar uma inspiração de outro planeta. É preciso sentar e escrever. Nem que seja nas brechas.
Alguns livros que me ajudaram a desbloquear criativamente:
O Caminho do Artista, Julia Cameron
Essa obra que eu citei ali em cima sempre será o livro mais inspirador sobre desbloqueio criativo, na minha opinião. Primeiro porque ela traz mil frases que servem como essas fagulhas que acendem a vontade de escrever. Segundo porque ela propõe práticas criativas que são muito valiosas como as Páginas Matinais, que nada mais são do que o hábito de escrever três páginas à mão todos os dias ao acordar. Eu já tentei muitas vezes, geralmente consigo fazer ao longo do dia, e faz tempo que não faço, mas sempre que me dedico, é como se eu abrisse um portal para o meu "eu” mais profundo e desse voz ao que eu realmente quero fazer/ser. Escrevendo à mão me sinto meio Chico Xavier, psicografando meus desejos e jamais abrindo espaço para o auto-engano.
Grande Magia, Elizabeth Gilbert
A autora de Comer, Rezar e Amar (outra bíblia!), Elizabeth Gilbert, escreveu um livro bem legal sobre fazer arte. Chama Grande Magia. Segundo ela, ser criativo não é apenas se dedicar profissional ou exclusivamente às artes: uma vida criativa é aquela motivada pela curiosidade.
“A vida tem uma regra simples e generosa: você melhorará em tudo aquilo que praticar. Por exemplo, se tivesse passado anos jogando basquete, fazendo massas de confeitaria ou estudando mecânica automotiva todos os dias, a esta altura provavelmente seria craque em arremessos de lance livre, no preparo de tortas ou no conserto de caixa de câmbio.
Os ingredientes essenciais para a criatividade continuam sendo exatamente os mesmos para todo mundo: coragem, encantamento, permissão, persistência e confiança. “
Sobre a Escrita - Livro Stephen King
Stephen King, o gênio do mistério e do suspense, autor que já vendeu mais de 400 milhões de exemplares, dá dicas sobre escrita. Ele conta um pouco sobre sua vida e sobre como virou escritor. Depois ele dá algumas dicas para quem quer escrever. Spoiler: é preciso praticar todos os dias, não tem segredo. Ele tem a rotina dos sonhos. Escreve pela manhã, e vive à tarde. É bem inspirador para quem luta contra o bloqueio criativo e a resistência que todos os dias nos faz desistir de fazer as coisas que sabemos que devemos fazer. Até Stephen King tem seus dias ruins, mas o que ele faz nesses dias, provavelmente é diferente do que você faz com seus dias ruins: ele continua trabalhando.
Esse livro não é um primor estílistico, nem um cult literário. Mas traz tanta verdade que inspira a buscar o próprio caminho. A vida de Glennon Doyle, mãe de três e esposa, mudou quando ela percebeu que havia se perdido em meio aos padrões estruturais de uma cultura machista. Um belo dia, Glenon decide ser fiel à si mesma.
Um teto todo seu, Virginia Wolf
Esse livro é um dos mais citados quando se fala de mulheres abrindo espaço para escrever. Baseado em palestras proferidas por Virginia Woolf nas faculdades de Newham e Girton em 1928, o ensaio “Um teto todo seu” é uma reflexão acerca das condições sociais da mulher e a sua influência na produção literária feminina.
Esse livro é tão íntimo que você se conecta na hora com o autor. Édouard Louis é um dos precursores da “auto-ficção”, gênero recente literário em que a pessoa narra a própria vida, mudando uma coisa ou outra - ou pelo menos se distanciando levemente dela. Aqui, ele conta sobre o processo de sair de uma periferia pobre no interior da França e se tornar um acadêmico em Paris, tendo amigos intelectuais e passando a pertencer à burguesia, conhecendo um novo mundo. Ele faz parecer que é fácil escrever, é só sentar e ser o mais verdadeiro possível. Ou como diria Hemingway: “Tudo o que você precisa fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que você conhece.”
E fecho com um trecho de um livro da Lygia fagundes que diz: 'é preciso amar o inútil. criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.'
Até a próxima