#41 Abas Infinitas - teletelas, deepfakes e a Carrie de chapéu
Recentemente consegui assistir até o final o filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço. Fiquei feliz de ter conseguido vencer a cena inicial dos macacos, que já tinha me travado numas três tentativas de assistir ao filme. Depois venci as longas cenas do espaço com música clássica que me fizeram dormir no sofá - dois dias seguidos. Finalmente consegui ir até o final e amei muito o filme, pois tem muitos paralelos com o que estamos vivendo hoje, apesar de ter sido feito em 1968. O filme foi escrito pelo diretor Stanley Kubrick e pelo autor de ficção científica Arthur C. Clarke, e levou dois anos para ter sua história criada.
É um filme hipnótico, muitas vezes perturbador, mas altamente filosófico, que faz você pensar na vida, e entrar no ritmo dele. A batalha “Homem vs Máquina” em busca do progresso é mais atual do que nunca.
Fiquei feliz de finalmente entender quem era HAL 9000, um personagem da cultura pop científica que era uma falha no meu repertório nerd. Na trama, HAL é um computador com avançada inteligência artificial, instalado a bordo da nave espacial Discovery e responsável por todo o seu funcionamento. Sua voz é genialmente dublada pelo ator canadense Douglas Rain, descobri pela Wikipedia. Ele tem um tom meio condescendente, e às vezes até irônico, principalmente quando ele descobre que os humanos querem desligá-lo. Deu frio na espinha pensar que estaremos em breve no mesmo conflito com as máquinas.
A cara do HAL 9000 bem sossegado pronto pra ferrar com a sua mente
Sua imagem é representada por uma câmera com a luz vermelha acesa, e a sensação de estarmos sendo vigiados é constante. Esse filme veio em um momento em que comecei a pensar na vigilância total da nossa vida.
Segundo o Google, o programa Smart Sampa possui atualmente mais de 31.300 câmeras inteligentes instaladas na cidade de São Paulo. Dessas, 20 mil são câmeras próprias do programa, e 11,3 mil são câmeras privadas integradas ao sistema. O programa monitora a cidade em tempo real e cruza com o reconhecimento facial para encontrar foragidos da Justiça, entre outras atuações.
Há algumas semanas, uma empresa de segurança instalou na porta do meu prédio alguns postes com câmeras, que também estão integradas ao Smart Sampa. Fiquei pensando que um governo totalitário poderia encontrar a casa de qualquer pessoa, ou os lugares onde ela frequenta, apenas buscando por uma foto dessa pessoa no sistema.
Você deve pensar, é bom porque vai ficar cada vez mais difícil para quem faz a coisa errada, mas isso vai nos deixar cada vez menos livres para existir sem alguém nos observar. E se a ditadura volta, e eles resolvem perseguir as pessoas? Já aconteceu antes, pode acontecer de novo. No mercado, no posto de saúde, na empresa, no ônibus, na rua, na porta de casa. Há sempre alguma câmera nos vigiando.
E quando tivermos nossos assistentes pessoais como a Alexa, mas com câmera integrada, teremos nosso próprio HAL 9000, só espero que ele seja menos rancoroso com os humanos. No livro 1984, de George Orwell, logo nas primeiras cenas conhecemos uma realidade futurística distópica onde cada cidadão possui em sua residência um aparelho chamado "teletela" — um equipamento que une as funções de televisão e câmera, permitindo tanto a exibição contínua de conteúdos do governo quanto o monitoramento constante das pessoas.
Esse dispositivo de vigilância está presente em todos os ambientes, públicos e privados, e não pode ser desligado, garantindo ao Partido um controle absoluto sobre o comportamento e as conversas da população.
A teletela simboliza a vigilância incessante e a opressão do regime totalitário, tornando impossível qualquer manifestação de individualidade ou pensamento crítico fora dos limites impostos pelo Partido.
Para comprar coisas (que não precisamos) mais facilmente, entregamos nossos dados e deixamos nossos comportamentos serem rastreados sem pensar no que está por vir. O telefone já ouve nossas conversas, o tempo todo. As câmeras nos vigiam na rua.
Segundo uma reportagem da CNN, no fim de junho, o turista norueguês Mads Mikkelsen disse ao jornal Nordlys que foi impedido de entrar nos Estados Unidos após agentes da imigração encontrarem em seu celular um meme do vice-presidente norte-americano J.D. Vance. O jovem de 21 anos também afirmou que os agentes o ameaçaram com uma multa de US$ 5 mil (cerca de R$ 27,2 mil) ou cinco anos de prisão se ele não fornecesse a senha do celular. Talvez em breve, eles nem precisem da senha do celular. Os sistemas estarão todos integrados “em nome da segurança” com todas as informações sobre cada cidadão. Quais suas inclinações políticas, seus pontos fracos… Ninguém passa na régua da perfeição que o totalitarismo espera das pessoas.
A reflexão proposta por Orwell segue atual: ela nos alerta para os riscos de um Estado que ultrapassa os limites da vigilância e nos lembra da importância de preservar a privacidade e a autonomia individual.
Penso que o estrago já está feito. Fomos treinados a nos expressar através das redes sociais, mostrar nossos desejos e gostos mais profundos, em troca de alguns likes e uma boa dose de dopamina. Mesmo que eu apague meu Instagram, o meu eu mais profundo já foi compreendido pelo algoritmo e está salvo em algum datacenter no deserto americano.
Talvez mais real do que eu gostaria.
Porque ali não está só o que eu fiz — mas o que eu senti, desejei, a forma como reagi, o que busquei quando estava sozinha ou com medo.
Está tudo lá. Até as partes que eu mesma já esqueci.
A verdade é que a gente entregou muita coisa sem perceber.
Achando que era só um post, só uma busca, só um “concordo com os termos”.
E agora é difícil dizer onde termina quem a gente é — e onde começa o que ficou registrado sobre a gente.
Mesmo assim, sigo tentando.
Tentando fechar algumas abas, abrir outras com mais cuidado.
E lembrar que, no fim das contas, sou mais do que o algoritmo conseguiu capturar.
Algumas coisas que vi por aí…
O tecno-capitalismo
Por falar em tecnopólio, ou seja, a sociedade sendo governada pela tecnologia, há alguns dias, o fundador e CEO da OpenAI, dona do Chat GPT, Sam Altman, postou sua visão de mundo ao celebrar a independência dos EUA, no dia 04 de julho.
Sam Altman é um dos “donos do mundo” hoje, por controlar a primeira inteligência artificial a se tornar popular no mundo. Em cinco dias, o ChatGPT atingiu 1 milhão de usuários em seu lançamento. Para comparação, o Instagram levou 2,5 meses e o Facebook, 10 meses para conquistar o mesmo número de usuários.
O que me chocou foi a ingenuidade ao defender o que ele chama de “tecno-capitalismo” com a ideia de que é possível ganhar muito dinheiro e ao mesmo tempo distribuir riqueza de forma ampla. É uma boa imagem, mas não explica como isso seria feito — e é uma visão excessivamente idealista sobre um sistema que na prática costuma concentrar renda.
Achar que as ferramentas tecnológicas vieram para ajudar o mundo a crescer e gerar riqueza, e que devemos entregar nossas vidas a essas plataformas pois a consequência delas é o bem-estar global, me parece um belo twist marketeiro para ressaltar o que há de bom nas ferramentas sem jamais ter algum senso crítico sobre os efeitos colaterais de termos entregue nossas vidas e atenções a ela.
“Acredito no tecno-capitalismo. Devemos incentivar as pessoas a ganhar muito dinheiro e também encontrar maneiras de distribuir amplamente a riqueza e compartilhar a mágica dos juros compostos do capitalismo. Uma coisa não funciona sem a outra; não dá para elevar o piso sem também elevar o teto por muito tempo.
O mundo deveria ficar mais rico a cada ano graças à ciência e à tecnologia, mas todos precisam estar no “elevador que sobe”. Acho que o governo geralmente faz um trabalho pior do que os mercados, e por isso precisamos incentivar nossa cultura de inovação e empreendedorismo. Também acredito que a educação é fundamental para manter a vantagem americana.
Acreditei nisso aos 20 anos, aos 30, e agora, aos 40, continuo acreditando. O Partido Democrata parecia razoavelmente alinhado com isso quando eu tinha 20 anos, perdeu o rumo quando eu tinha 30, e hoje parece ter ido completamente para outro lugar. Então, agora estou politicamente sem lar. Mas tudo bem; me importo muito mais em ser americano do que com qualquer partido político.
Prefiro ouvir dos candidatos como eles vão fazer com que todos tenham o que os bilionários têm, em vez de como vão eliminar os bilionários.
O experimento americano sempre foi bagunçado. Tenho esperança de mais 250 anos grandiosos. Feliz 4 de Julho!”
Mountainhead - HBO Max
Neste filme, dirigido por Jesse Armstrong (criador de Succession) e estrelado por Steve Carell, Jason Schwartzman, Cory Michael Smith e Ramy Youssef, provavelmente um deles está fazendo o papel de Sam Altman.
Quatro bilionários da tecnologia se reúnem em uma mansão isolada em Utah durante uma crise global provocada pela atualização de uma IA que está gerando deepfakes descontrolados e uma crise desinformação. Enquanto o mundo literalmente pega fogo, o retiro dos bilionários mostra o quanto eles não estão nem um pouco preocupados com o resto da humanidade. Alguns se mostram inclusive aceleracionistas, defendendo que o capitalismo vá rápido com suas dinâmicas, em vez de tentar freá-las.
Esta é uma visão prioritariamente de direita, ao abraçar mudanças radicais e a hiper-modernização, mesmo com impacto social grave — acredita-se que os “vencedores” emergirão dominando a tecnologia e o poder.
Li que o diretor pensou, escreveu e produziu o filme em quatro meses, pois ele queria que a audiência visse o filme ao mesmo tempo em que foi pensado. Ele disse que com a rapidez das inovações tecnológicas, o plot de uma IA que gera desinformação e conflitos globais era uma questão de tempo. O filme foi lançado em 31 de Maio. No dia 03 de Maio, o Google lançou o Veo 3, um modelo de inteligência artificial (IA) que impressionou ao gerar vídeos de alta qualidade. Além das imagens parecerem reais, os conteúdos criados com o Veo 3 também incluem sons ambientes e voz.
And Just Like That - MAX
Já dá para chamar de Síndrome de Estocolmo, essa minha mania de continuar assistindo And Just Like That, mesmo depois de tuuuuudo. Ou como diria a Gabb, And Just Like Death.
Para ser sincera, desde que o primeiro filme foi lançado eu já passei a não gostar mais, mas por apego afetivo com Sex and The City, segui acompanhando essas amigas de Nova York. Só que a cada temporada do spin-off a série fica pior. As personagens não parecem ser as mesmas pessoas que conheci, e nem viverem em um mundo real. Seja a Charlotte correndo por Nova York no meio da neve de um metro de altura para arranjar um absorvente para a filha, ou a Carrie não aceitar andar sem salto alto dentro de casa, ou ainda ir comprar roupas em um brechó no meio da Virginia dirigindo um 4x4 de trilha. Cada semana tenho que engolir plots completamente fora da realidade e, francamente, difíceis de engolir.
É como se eu buscasse aquele farol que um dia existiu e me guiou a ser uma mulher adulta, moderna, jovem, sei lá. A Carrie poderia ser uma sessentona foda, independente, que usaria roupas estilosas para sua idade. Poderia ter transas casuais, até com homens mais novos, poderia dar palestras fodas sobre feminismo, escrever um livro com profundidade sobre a menopausa, ou sobre a morte das pessoas que ama, o vazio da vida, enfim. Mas ela escolheu usar enormes chapéus, que dão vergonha, querer ser sempre o centro das atenções de qualquer discussão, e brigar com a amiga que tem há 40 anos por causa de um iogurte. Uma mulher que ficou milionária sem nunca ter tido um trabalho real na vida, e ao mesmo tempo ser tão mesquinha incapaz de ajudar qualquer um que precise. Carrie virou uma velha fútil e insuportável, sem conseguir lidar com uma janela quebrada porque era antiga e especial e de vez em quando fazia arco-iris no chão. Cresça, mulher.
O mundo está à beira de uma guerra mundial, há um genocídio acontecendo na Palestina, na Ucrânia, os recursos naturais estão escassos enquanto surge uma nova tecnologia que consome muita energia elétrica… Essas mulheres não têm uma agenda fora do próprio umbigo. Ninguém vai a uma palestra (ou dá uma), ninguém faz um voluntariado, nem nada de útil. A Miranda virou homeless não sei por qual motivo, uma mulher que foi uma advogada poderosa, agora fica implorando por um lugar para dormir.
O roteiro deve estar sendo feito por IA, só pode. Estou em uma fase de usar meu tempo para coisas mais úteis, uma hora por semana, daria para eu fazer outras coisas. Mas toda semana, tem esse gatilho que é mais forte que eu: episódio novo. “Será que tudo vai mudar e terá um episódio bom?, me pergunto” Faz anos que não tem, mas mesmo assim continuo insistindo. Isso não é mais entretenimento, não tem nem mais Sex nem mais City. Não representa mais o que é ser moderno, só mostra um monte de perua agindo de jeito infantiloide. O roteiro não coloca as personagens para serem complexas como um ser humano real. E mesmo assim, eu continuo presa.
Talvez seja para poder acompanhar as reviews engraçadissimas da Gabb.
PostMorten, Sarah Silverman
Com a uma hora semanal que eu desperdiço vendo And Just Like That, eu poderia ter revisto PostMorten, da Sarah Silverman, e saído com o dobro de emoção e inteligência.
Esse especial da Netflix me pegou de surpresa. Sarah fala sobre a morte do pai e da madrasta — mas do jeito dela: com humor, ternura, lucidez e zero pieguice. Não é um stand-up de piadas sobre morte. É quase uma carta de amor pós-vida, um tributo original, leve e profundamente humano. É bonito de ver alguém conseguir honrar seus mortos com tanto carinho e autenticidade, e ainda fazer você rir no caminho.
Ne-Yo - Tiny Desk
Nesse formato intimista e descontraído da NPR, Ne-Yo mostra toda a sua versatilidade como cantor, compositor e performer. Sem os grandes cenários e produção das turnês, ele entrega uma performance pura, cheia de emoção e talento vocal impecável.
O que eu mais gosto é ver tantas canções pop que são suas e eu não sabia.
Se você curte R&B, vale muito a pena assistir essa apresentação para sentir a energia e o charme do Ne-Yo em um dos palcos mais autênticos da música hoje.
Nelson Riddle
Uma coisa que tem funcionado para mim, para reduzir o estresse do século XXI é ouvir Nelson Riddle no Spotify. Esse arranjador e maestro americano foi uma lenda da música pop e jazz dos anos 50 a 70, responsável por alguns dos arranjos mais sofisticados de Frank Sinatra, Nat King Cole e Linda Ronstadt. Resolvi procurar no Spotify e descobri verdadeiros tesouros para quem curte lounge, big band e trilhas instrumentais de filmes e séries clássicas.
No Spotify, você encontra o perfil oficial dele, com playlists como essa e essa. E o melhor: nem precisa mudar pra Nova York ou estrelar um filme de Woody Allen para ouvir essas músicas.
Raul Seixas: Eu sou
Eu adorei essa série sobre a vida do Raul Seixas na GloboPlay. Precisei de alguns episódios para acostumar com o roteiro nada linear e com a voz do Paulo Coelho. Mas no fim valeu a pena as horas dedicadas à essa série produzida pela O2. Série de oito episódios. O Paulo Coelho escreveu que assistiu:







