#6 Abas Infinitas - Ter morangos na geladeira é um luxo
A quarentena nos prendeu em casa e muitas coisas que antes eram banais ou passavam despercebidas, agora foram aumentadas com lupa. Como nosso espaço foi reduzido, há todo um mundo entre meu quarto e a sala. Entre a porta do meu apartamento e a porta da rua. Tudo passou a ter uma importância maior no nosso espaço, e deve ser por isso que tanta gente resolveu pintar a casa ou trocar a decoração na quarentena. A casa agora é nosso habitat primordial.
Por isso, tentei usar essa oportunidade de ficar mais em casa para ter uma vida com mais atenção.
Logo que acordo, já busco a paz de espírito da cama arrumada. Antes isso não tinha tanta importância, muitas vezes eu saía atrasada com um monte de roupas em cima da cama, tudo desarrumado. E a cama ficava assim até eu voltar, muitas horas depois. Agora, estou ali o tempo todo. Passar em frente ao quarto e ver a cama arrumada é tão acalmante quanto a vista de um daqueles jardins japoneses. Às vezes resolvo colocar a colcha mais bonita que tenho, abro as janelas, guardo as roupas na gaveta. Até o cômodo estar completamente arrumado.
O resto da casa tá aquela bagunça e vou arrumando coisa por coisa, o quanto consigo. Se passo da sala para a cozinha, já levo dois copos que estão em cima da mesa e que devem ser lavados. Vou ficar o dia inteiro em casa, ficar com louça suja na pia influencia no bem-estar geral, no feng shui da casa.
Se tudo está no lugar, tudo está no lugar. Vou fazer todas as refeições em casa. Por que não ir tentando melhorar o modo como faço ovos mexidos? Eu posso descongelar um almoço ou eu posso aprender a temperar carnes de porco com 12 horas de antecedência usando uma marinada de shoyu, óleo de gergelim, saquê culinário, alho espremido e limão. E depois posso assar por horas no forno baixo molhando sempre com mais shoyu e saquê para obter uma carne macia e saborosa. Eu posso comer o abacaxi cru ou eu posso colocá-lo em fatias na frigideira em fogo baixo enquanto ele carameliza no próprio açúcar.
Para uma vida feliz é preciso abundância, luxo. Mas isso não tem a ver com dinheiro, tem a ver com o propósito que você coloca nas coisas. Às vezes até tem a ver com dinheiro (afinal, o que não tem), mas menos do que você imaginaria gastar quando falo em "luxo". "Prefiro ter rosas na mesa, a diamantes no pescoço", disse Emma Goldman.
Eu estou sempre disposta a ler sobre o desbloqueio criativo e como é que se faz para parar não se sabotar, o que, para mim, já seria um passo a mais no caminho da felicidade.
O livro "O caminho do artista", de Julia Cameron, tem vários insights interessantes que mexeram comigo. Ela conta que, nós somos artistas na infância, e como não temos nada pré-estabelecido, nos permitimos explorar diferentes combinações de formas, cores, compreensão sobre os fatos.
Deve ser por isso que crianças falam coisas engraçadas, pois ainda estão aprendendo a ordem do mundo, como as coisas geralmente são organizadas. Com o passar do tempo enquanto vamos crescendo, internalizamos críticas e julgamentos negativos - seja de professores, colegas ou mesmo dos nossos pais. Vamos cultivando um auto-julgamento negativo. Algumas pessoas se bloqueiam de tal forma que se tornam espécies de "anoréxicos criativos" se impedindo de ter pequenos prazeres, sempre fugindo de fazer o que eles sabem que iriam ter prazer de fazer. Seja escrever, pintar, desenhar, fazer uma música, cozinhar uma coisa gostosa, parecer bobo de alguma maneira.
Fazer arte, nesse caso, está mais longe do que estamos acostumados a ver em galerias e museus e mais próximo do que seria chamado de "viver uma vida com sentido".
Tendemos a nos boicotar para fazer as coisas que nos dão prazer porque muitas vezes achamos que não temos o direito de sentir prazer, de sermos felizes. Uma criança nunca deixaria de pular em uma piscina porque pode ser que achem que essa roupa de banho não caiu bem. Em compensação, essa é provavelmente a primeira coisa que um adulto pensa antes de decidir se tira ou não a camiseta, se pula ou não em uma piscina. O adulto pode até se dar a desculpa de que o sol está quente demais, ou que a água deve estar gelada, ou que não trouxe o chinelo e o chão está quente. Nunca ele conseguirá perceber que não vai pular na piscina porque está comprometido em ficar bloqueado. Enquanto isso, as crianças estão se divertindo, fazendo caretas embaixo d'água e curtindo a delícia que é pular bem alto e depois sentir a água cobrir seu corpo todo. E daí que a água está gelada?
Pense nas coisas que você ama fazer e jamais faz. Qualquer que seja o motivo, provavelmente ele pode ser contornado para você fazer o que te deixa feliz. Podem ser coisas banais como sair para dançar, ter aulas de mergulho, estrear um sabonete novo, fazer mechas no cabelo, aprender um instrumento musical. Por que a gente acha que não se pode aprender piano na idade adulta?
Nesse sentido, ter sempre morangos cortados na geladeira é um luxo maior que uma bolsa Hermés no armário (até porque a gente não sai de casa). Qualquer coisa que possa te inspirar a ser mais feliz no seu dia a dia, seja uma lavagem de 20 reais no carro, cabos mais compridos para o carregador de celular, um chantilly batido na geladeira. Coisas pequenas podem ajudar a criar um ciclo positivo de mais felicidade. É como se a gente estivesse enganando nosso censor interno e dizendo a ele que nos amamos e merecemos tudo de bom.
Eu realmente não poderia recomendar demais esse livro, pois ele confirmou coisas que eu estava pesquisando há tempos. De que é preciso "estar fazendo" para "realmente fazer". Não adianta eu sonhar que um dia vou fazer algo legal (seja lá o que for) se eu não começar realmente a fazê-lo. Nunca haverá as condições completas para que as coisas sejam feitas. "Ah, quando meu filho crescer", ou "ah, quando eu ganhar bastante dinheiro fazendo algo de que não gosto, aí sim, poderei fazer algo de que gosto, poderei ser feliz e completo".
Não há momento como o agora, e quanto mais complexo for o que gostaria de fazer, mais rápido você deve começar.
"A fim de prosperar como artistas - e, pode-se dizer também, como pessoas - precisamos estar disponíveis ao fluir do Universo. Quando estancamos nossa capacidade de sentir alegria de viver, recusando-nos anorexicamente a aceitar pequenos presentes da vida, também abrimos mão dos grande presentes", diz Julia em um trecho do livro.
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Cão fila KM 26 - o início da pixação em São Paulo
Outro dia descobri que a primeira pixação em São Paulo, teria sido feita nos anos 70. O que estava escrito? ‘Cão Fila k26’. Entrei em um loop no Google com muitas abas infinitas e descobri a história desse senhor que queria que o cão fila fosse "mais conhecido que a banana" como um produto brasileiro. A raça é uma mistura de cães da raça mastiff, buldogue e bloodhounds. Antenor Lara Campos, o primeiro pixador que se tem notícia, tinha apelido de ‘tozinho’, e além de criador de cães da raça, já foi campeão de halterofilismo, motonáutica e esqui aquático, baterista e pistonista. Em uma entrevista, ele admitiu que a maioria das pessoas que lia a inscrição não a entendia. “Mas, de uma forma ou de outra, as pessoas acabam chegando aqui", ele disse. No tal quilômetro 26, da Estrada do Alvarenga (faltou dizer na pixação!), estava a sede da Associação de Criadores de Fila Brasileiro, por ele mesmo fundada em 1972. "Em uma caminhonete cheia de tintas, ele saía pela cidade deixando sua marca, vale lembrar que nessa época as Lojas Pernambucanas e algumas concorrentes faziam este tipo de publicidade, mas de forma ‘legal’, apesar disso, a inspiração de Sr. Antenor foi as propagandas políticas de Adhemar de Barros, que já tinham em muros na época", diz uma reportagem da Veja da época.
Podcast Coquetel Molotov - com Letícia Novas (Letrux) - link
Eu adoro ouvir podcasts enquanto estou caminhando, parece que tem alguém conversando comigo. Descobri esse podcast com a Letícia Novaes, que eu gosto muito desde que ela tinha uma banda chamada Letuce (ouça o disco Plano de Fuga pra Cima dos Outros!). Enfim. Estou sempre disposta a consumir conteúdo sobre desbloqueio criativo (como vocês perceberam) e ela conta de uma forma divertida vários exercícios para se escrever mais, conseguir expressar as coisas que pensa e até dá dicas de jogos pra brincar em turma como "Stop com nomes de ex-participantes de reality show". Em um tempo em que nossa memória é uma vaga lembrança, esse podcast me inspirou a ter um caderno sempre à mão, escrever coisas mesmo que pareçam bobas, e tentar fazer algo com isso. Gostei pra caramba do formato desse podcast também, que faz parte do festival CoquetelMolotov.exe, que esse ano foi todo online com diversas salas simultâneas de Zoom, como se cada uma fosse um palco do festival.
Demetri Martin - If I (link)
Descobri o Demetri Martin pelo especial dele no Netflix, já faz alguns anos. Se chama Demetri Martin – Live (at the time). Na época, fiquei meio obsessiva e descobri coisas interessantes sobre esse nerd da comédia. Ele faz palíndromos absurdos de 224 palavras e sempre foi muito inteligente, viciado em hobbies e puzzles. Ele tem aquele tipo de humor que é muito interno no cérebro, uma forma de apontar pequenos defeitos e incoerências da vida, não para reclamar, mas sim para mostrar um padrão ou falta de padrão nessa coisa caótica que é a vida. E dessa forma ele faz rir, quando quebra a lógica, quando nos mostra o quão pouco lógica é a vida. Até a dele. Que sabia o que queria ser desde pequeno porque era muito inteligente. Ele se apoiava nisso até perceber que era uma forma de se esconder. Vale a pena assistir o especial If I, uma série de vídeos disponível no You Tube em que ele faz uma análise filosófica sobre a vida e sua própria história. E encaixa a memorável frase socrática: Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida (an unexamined life is not worth living), o que torna esse especial quase que uma terapia pública.
Quincy Jones - documentário Netflix
O cara que jamais descansou na vida. Sério, esse documentário sobre a vida do produtor e músico Quincy Jones é uma grande inspiração. Uma das coisas boas de ter acesso a muita informação hoje é poder conhecer novos ídolos. Basicamente, o cara é uma lenda. Ele nasceu em Chicago, num bairro pobre. Sua avó era ex-escrava e sua mãe sofria de esquizofrenia. Ele a viu sendo levada com camisa de força, quando ele era pequeno. Foi criado pelo pai e estudou trompete na escola. Com 16 anos, se apresentou para Ray Charles que era uma grande inspiração para ele. Ray o introduziu na música e veio a se tornar um grande amigo.
Ele sempre foi do trabalho duro, algo que aprendeu com seu pai. O lema do pai era: "Once a task is just begun, never leave until it's done. Be the labor great or small, do it well or not at all" (uma riminha que diz algo tipo: uma vez que se começa uma tarefa, não a deixe antes que acabe. Seja o trabalho grande ou pequeno, faça bem ou não faça".) Digamos que é um bom lema.Começou a fazer tour como trompetista profissional e tocou o segundo trompete da banda do estúdio nas primeiras seis aparições de Elvis Presley na TV americana.
Quincy começou a produzir e fazer arranjos para artistas como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughn e o próprio Ray Charles. Poderia ter parado aí, já teria feito muito sucesso.
Depois, produziu álbuns próprios e aceitou produzir para Michael Jackson, que na época queria se desgrudar do Jackson 5. Foi o produtor do álbum Thriller, o disco mais vendido de todos os tempos, com 100 milhões de cópias. Tinha forte consciência racial e social e por isso usou de sua influência para juntar importantes artistas para gravar a música arranjada por ele "We are the World" que ajudou a arrecadar fundos para o combate à fome na Etiópia. Produziu mais de mil músicas, foi nomeado a 80 Grammys (e ganhou 24) e faz parte do seleto grupo das pessoas que já venceram os 4 prêmios mais importantes do entretenimento: Oscar, Grammy, Emmy e Tony. Mas o mais legal, nem é tanto saber sua história mas perceber de perto como pensa uma pessoa tão virtuosa assim, que conseguiu produzir muitas obras de arte que tocaram o mundo inteiro, alguém que realmente deixou sua marca no mundo. Em uma parte do filme, ele comenta que uma pessoa que vive até os 80 anos só tem 29 mil e 200 dias. E que ele quer viver cada um deles.
Viola Smith
Viola Smith foi uma baterista americana mais conhecida por seu trabalho em orquestras, bandas de swing e música popular dos anos 1920 até 1975. Ela foi uma das primeiras bateristas profissionais. Ela faleceu recentemente com 107 anos. Vale a pena ver esse vídeo, um alimento para a alma.
A mulher mais velha do mundo - New Yorker Magazine
Essa reportagem da New Yorker investigou a vida da Jeanne Calment, uma francesa que morreu supostamente aos 122 anos de idade e que seria considerada a mulher mais velha do mundo. É bem legal ver o processo de investigação que a jornalista Lauren Collins faz, indo atrás de parentes na cidade onde Jeanne morava, e descobrindo buracos na história oficial. Há uma hipótese de que sua filha Yvonne, que teria morrido em 1934, teria "ocupado o lugar da mãe" e por isso Jeanne teria vivido tanto. Isso porque quem teria morrido de verdade seria Jeanne, mas para evitar impostos, eles teriam dito que quem morreu teria sido Yvonne.
Newsletter Maybe Baby - Haley Nahman
Eu sigo a Haley Nahman desde que ela era editora do site Man Repeller, que já não existe mais (!) Ela tem um estilo legal e por isso comecei a segui-la no Instagram. Hoje, o trabalho dela é fazer essa newsletter, que tem também uma versão paga de US$ 5 (que no câmbio de hoje sai R$ 4000). É uma newsletter bem legal onde ela escreve sobre seus sentimentos sobre o momento atual e dá algumas dicas de coisas que tem consumido. Eu estaria mentindo se dissesse que não me inspiro nela, inclusive copiei seu boné: "Per my last email".
NPR Tiny Desk Concert
Você provavelmente deve conhecer essa série de vídeos onde músicos são convidados a tocar em uma "mesa minúscula", na sede da NPR (Rádio Pública Nacional dos Estados Unidos). Como o estúdio é muito pequeno, eles geralmente preparam uma nova versão de suas músicas para essa gravação, uma espécie de "acústico MTV" rs. Aqui vão alguns dos meus Tiny Desk preferidos: Lizzo (cantora que me ajudou a vencer o ano de 2019), Anderson .Paak & The Free Nationals, Jorja Smith, H.E.R, Masego, Adele e o meu favorito, com os músicos do musical Be More Chill:
When you love somebody
You put your pants on for them
Até a próxima!