#7 Abas Infinitas - O valor de ter uma hora diária para si
Eu já suspeitava dessa regra para a vida, mas agora na quarentena ficou ainda mais evidente a necessidade de abrir um espaço no dia para tirar uma hora para si. Pode parecer simples ou pouco tempo. Pode também parecer complicado e muito tempo para se permitir sair da sua vida e ficar uma hora somente com sua companhia. Tudo depende do jeito que você olha para a coisa.
É fácil a gente ser pego na rotina do dia-a-dia, e principalmente no que eu chamo de "vício da virtude", aquela mania de querer ser legal, ser bom, fazer sacrifício pelos outros sem eles nem terem pedido. É bem comum dedicarmos nosso tempo aos outros (ou ao trabalho) e depois reclamar que nos tomaram tudo o que tínhamos. Provavelmente isso acontece porque você não está se permitindo tirar uma hora para si.
Pode ser uma hora para correr, fazer uma caminhada, nadar, pedalar pelo bairro, jogar basquete na quadra do prédio. Inclusive, algo que aprendi com o tempo é que o esporte sempre é a melhor escolha para a sua uma hora diária.
Isso porque, praticando esportes, você se movimenta, relembra seus limites e se desafia para ficar mais forte. Ao final do exercício físico diário, você está mais disposto para a vida e quase sempre mais feliz. É um ótimo jeito de começar o dia, por mais que não pareça na hora em que você está saindo da cama. Lembro de um amigo que dizia: "são só os primeiros 15 minutos". E realmente são. Se você conseguir treinar a cabeça para aguentar os primeiros 15 minutos, tudo fica mais fácil depois.
Mas a sua uma hora diária não precisa ser necessariamente um exercício físico, se não quiser. O importante é sair de casa, olhar as coisas sob outra perspectiva, se permitir ser "uma pessoa" por um tempo. Com o distanciamento, você oxigena as ideias e volta mais disposto a fazer seja lá o que você precisa fazer.
Pode ser uma hora para andar pela vizinhança ou conhecer a padaria nova que abriu. Pode ser uma hora para sentar num gramado de um parque e ficar observando as pessoas. Ou até mesmo ir a uma papelaria e ficar vinte minutos só olhando os cartões, e no final, sair sem comprar nada. Pode ser uma hora escrever algumas ideias que gostaria de organizar ou para aprender a desenhar pelo You Tube. O que você sempre quis fazer, mas nunca encontra tempo para isso?
Com esse exercício de abrir um espaço para si, você começa naturalmente a dar valor ao seu tempo, e a fazer planos para sua hora diária. Um dia você resolve ir ao médico, ou então abre espaço para ligar para seus pais, coisas que você nunca faz por "falta de tempo".
Com essa recuperação do lazer pessoal, aumenta muito a chance de você não cobrar seus familiares pelo fato de você não conseguir fazer algo de que gosta (o que acaba sendo fácil de acontecer). Você se coloca em movimento e instala uma válvula de escape para tudo o que pode acumular e virar estresse.
Só que esqueci de mencionar o mais importante: tirar uma hora para si é algo bem difícil de manter na rotina. É bem comum se boicotar, dizer que "hoje não vai dar", que "parece que vai chover", que precisa ajudar alguém com sei lá o quê. Lembre-se disso quando for dar uma desculpa e faça um compromisso consigo mesmo de cumprir sua hora diária.
Como eu disse, isso se torna ainda mais importante na quarentena, quando temos a tendência de ficar mais em casa, muitas vezes o dia todo. Para quem trabalha grudado no computador, é muito bom exercitar ser capaz de ficar uma hora existindo em outro ritmo que não seja o da internet.
[Ali em cima, criei um GIF com as fotos que tirei nas minhas horas diárias recentes. Se eu não tivesse aberto esse tempo para mim, não poderia ter ficado contemplando todo esse grande nada que há lá fora.]
Algumas coisas legais pra dar uma olhada:
How to Get Through This Crisis - School of Life
Achei muito bom este vídeo da School of Life ensinando a lidar com a crise do Covid-19 de uma forma meio filosófica. A School of Life, literalmente "Escola da Vida", é uma entidade inglesa criada pelo filósofo Alain de Botton. Eles dão cursos e escrevem livros para capacitar as pessoas emocionalmente para o mundo contemporâneo. Eles mesmo explicam o trabalho no site deles: "A The School of Life se dedica a desenvolver inteligência emocional e a explorar as questões fundamentais da vida em torno de temas como trabalho, amor, sociedade, família, cultura e, principalmente, o auto-conhecimento". Há uma filial em São Paulo, que dá cursos interessantes como "As vantagens de estar sozinho" ou "Como fazer o amor durar". Vale a pena explorar os cursos neste link. Mas voltando ao vídeo, ele fala um pouco sobre como somos apenas uma espécie que habita a Terra, que somos parte de um Universo gigante, e que nós devíamos aceitar que não temos como controlar as circunstâncias, estamos à mercê das forças incontroláveis e magníficas do planeta. Numa perspectiva filosófica, ele diz que devíamos aceitar e entender nossa vulnerabilidade em relação aos absurdos que acontecem na vida microbiótica. Enfim, ele coloca as coisas sob outra perspectiva, que ao mesmo tempo nos deixa menores, nesse vasto mundo, mas maiores, no sentido de nos permitir sofrer apenas pelo que podemos mudar. Uma das soluções que ele dá para o momento é amar incondicionalmente, aproveitar a chance de estar vivo e construir relações significativas com os amigos, vizinhos e familiares - porque está todo mundo assustado e confuso do mesmo jeito. Outra forma de preencher essa busca por significado é servir aos outros, amar em vez de só esperar ser amado, ajudar quem precisa e diminuir o fardo de quem nos rodeia.
Billie Ellish - Infinite Bad Guy
Eu conhecia pouco da obra da Billie Eilish, só acompanhava de longe que ela ganhava muitos prêmios. Ela já tem cinco Grammys e duas marcas no Guinness, livro dos recordes. É a pessoa mais jovem a vencer as quatro principais categorias do Grammy. Ela é muito jovem, só tem 18 anos e tem um cabelo totalmente diferente de tudo o que eu já tinha visto (pintado de verde limão apenas na raiz, como se o cabelo original fosse verde e estivesse crescendo e se revelando). Só fui prestar atenção mesmo em sua música recentemente quando vi esse projeto que o Google fez para celebrar a marca de 1 bilhão de views do seu clipe Bad Guy. Acho que o que explica o marco histórico é que a música é muito boa mesmo, mas o projeto ficou muito interessante também, pois apresenta tudo o que foi feito em cima da música. Todas as vezes que você aperta o play nesse site, assiste a um dos 15 mil vídeos com versões da música postados no YouTube e pode ver como a canção tocou pessoas do mundo inteiro. É muito divertido pular de uma pessoa tocando violino em sua casa na zona rural para uma mulher chique cantando uma versão tango ou um grupo ensaiando uma coreografia complexa na Coreia do Sul.
Podcast Vidas Negras - Original Spotify
Esse podcast do Spotify é bem legal por vários motivos. Primeiro, ele celebra personalidades negras contando suas histórias e discute questões que ampliam nosso entendimento da história negra no Brasil. Só isso já seria necessário para 100% dos brasileiros. Segundo, porque funciona quase que como uma reportagem que você escuta. O apresentador Tiago Rogero, jornalista que faz a pesquisa e o roteiro, é super didático e nunca te deixa perdido sobre quem é que está falando naquele momento (algo que às vezes acontece nos podcasts). É quase que como um anfitrião do tema, ele te pega pela mão e vai mostrando uma série de pessoas, fatos e novos pensamentos que funcionam quase que como uma aula mesmo. No primeiro episódio, "De onde sua família veio? ", ele discute por que os negros brasileiros não conseguem descobrir de que país da África seus antepassados vieram, como podem recuperar a história negra, e ainda, de quebra, faz uma biografia da Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo. No segundo episódio, ele discute a expressão lugar de fala e nos apresenta a obra de Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo. O terceiro episódio conta a história de Enedina Alves Marques, a primeira mulher negra engenheira no país e ainda faz um panorama das dificuldades que os negros têm para construir carreiras no campo científico. É particularmente triste ouvir a experiência da Sônia Guimarães, primeira mulher negra doutora em Fisica no Brasil, que acabou afastada do ITA por ter seu conhecimento questionado pelos alunos jovens e brancos, que se achavam mais poderosos que ela (e acabaram sendo, de certa forma). Os episódios têm entre 30 e 40 minutos.
Devendra Banhart - Obra Completa
Com quantos anos você descobriu que a música do Devendra Banhart é perfeita? Eu sempre ouvia falar dele, até sabia de uma parceria com o Rodrigo Amarante, mas nunca tinha ido muito além. A música tem uma vibe bem latina misturada com os Estados Unidos. Deve ser porque ele nasceu no Texas, mas cresceu na Venezuela e só voltou para os EUA para fazer faculdade, então acho que faz sentido esse tempero latino que sua música tem. Essa música ali de cima, "I feel just like a child" parece uma música que seria dos Rolling Stones, não sei se é o groove da bateria, ou a letra inteligente, que vai crescendo, enfim. Vendo o clipe, imagino que ela seja mais antiga que as músicas que tenho ouvido no Spotify, porque ele parece bem jovem, comparado com a imagem que ele tem hoje. Gosto muito também das músicas Baby, Lovesong (Helado Negro Remix) e Carmensita. Descobri um dedo dele também na deliciosa música Nu com a minha música, de Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Devendra Banhart. Ainda nesse mergulho sobre sua vida, encontrei uma entrevista que ele deu em sua casa e a partir dela descobri uma artista nova, Claire Hungerford, que fez esse ótimo pôster que ele tem em sua casa:
Lady Di: Suas últimas Palavras - Netflix
A vida da Princesa Diana é um daqueles temas que vão e voltam, mas sempre suscitam o interesse das pessoas. Recentemente acabei assistindo a esse documentário bem interessante produzido pela National Geographic e disponível na Netflix. Durante seu casamento, ela estava muito infeliz e acabou dando uma entrevista secreta em 1991, gravada em áudio, contando sobre sua vida. A partir dessa entrevista, o jornalista Andrew Morton escreveu o livro Diana Her True Story, em 1996. Foi um best-seller que acabou adiantando o fim do casamento dela por revelar o quanto ela era infeliz e muito da intimidade da família real da Inglaterra. Depois que ela morreu, o jornalista revelou que o livro tinha sido baseado na história que ela havia contado em algumas gravações. Agora, eles fizeram esse documentário pegando o áudio da entrevista e mesclando com imagens reais dos fatos que ela narra. É bem interessante ouvir o lado dela da história e enxergar como ela via sua própria vida.
Newsletter Meio (link)
Essa newsletter criada pelo Pedro Dória (ex-editor do Estadão e do Globo) é bem interessante porque ela é como se fosse uma versão digital de um jornal. Ela sempre chega bem cedo, já com as principais notícias do dia. É um material poderoso para se informar direto no seu e-mail pela manhã, sem precisar caçar notícias ou encontrar paywalls que te impeçam de ler a notícia (o ódio que eu tenho disso!). Ele traz um bom mix de informações variadas, de diversos temas, e ajuda bem a elevar aquela conversa de elevador (de small talk, para medium talk). Essa newsletter é gratuita, mas há também uma versão paga para receber a edição de final de semana, geralmente mais profunda, mergulhando em algum tema importante da semana. É a alternativa mais segura para quem quer se informar pelo celular, sem a inconsistência do Whatsapp (e com a checagem de uma equipe de jornalistas).
Outline - para desbloquear as notícias "fechadas"
Inclusive, para os paywalls da vida, sempre que você encontrar um link que não conseguir ler seja por qualquer motivo (principalmente quando for "só para assinantes"), tente ver se o Outline desbloqueia. Esse site é bem interessante e fácil. Você joga o link lá e ele captura o texto e a foto e te permite acessar o conteúdo protegido por paywall.
Leta Powell Drake - entrevistadora do Nebraska
E termino com esse ótimo vídeo que encontrei no Twitter, de uma compilação de entrevistas da jornalista Leta Powell Drake, do Nebraska, Estados Unidos. Ela tem um estilo tão direto e ao mesmo tempo tão empático, que consegue respostas diferentes dos entrevistados. Ela é diferente da maioria dos jornalistas de TV que fazem esse tipo de coletivas com artistas, que geralmente perguntam coisas seguras, sem sair do script, coisas como "qual a sua cena favorita do filme?". Leta às vezes deixa os entrevistados assustados com as perguntas tão diretas, perguntando sobre por que uma série parou de ser produzida ou se fulano morreu. Pesquisando um pouco, descobri que ela ainda está viva, tem 82 anos e deu até uma entrevista para a Vulture contando sobre essa fama recente. Ela conta que sempre se preparou para as entrevistas, pelo fato de ser uma jornalista de fora de um grande centro, e que naquele tempo não era como é hoje, que você tem todas as informações à mão. Então, ela fazia a "lição de casa" e também se informava melhor com os próprios entrevistados. "Eu não perguntava nada do que os outros jornalistas perguntavam, então talvez seja por isso que eles eram tão receptivos e responsivos, porque ao menos era algo novo", ela disse em entrevista recente.
Até a próxima!