Abas infinitas #8 - Bye Bye, 2020
O ano finalmente acabou, e isso não significa que muita coisa vá mudar, mas é sempre boa essa sensação de final de ciclo, de respirar um pouco para poder voltar de novo à rotina. Sendo a rotina uma permanente sensação de insegurança gerada por uma pandemia, prefiro pensar em como continuar incluindo momentos de descanso na realidade assustadora.
Em 2020 aprendemos muitas coisas com as mudanças geradas pela pandemia. Ela mexeu com muitas certezas que a gente tinha e nos permitiu colocar alguns planos e sonhos em prática. Eu fui aquela pessoa que arrumou até a gaveta de talher, cortou o próprio cabelo, pintou um quadro, reassistiu The Office, decidiu não comprar mais nada supérfluo, aprendeu a assar um lombo para ele ficar molhadinho. Só não aprendi tie dye nem crochê e também não cheguei a pintar o cabelo de rosa (mas ainda tem alguns meses de pandemia, então não garanto nada).
Uma das principais coisas que aprendi com todas as mudanças, é que elas sempre geram uma bagunça momentânea, mas que não há nada a que o ser humano não possa se adaptar. 10 meses vivendo uma situação extraordinária começa a torná-la meio ordinária. Independente de todas as privações a que somos submetidos, se soubermos controlar nosso estado de espírito, as coisas ficam mais aceitáveis.
Ficou claro também que os dias em que interajo socialmente é um dia em que fico mais feliz. Nós humanos nos alimentamos das interações sociais e recentemente perdemos quase todas. As outras foram transportadas para o mundo virtual, o que não é a mesma coisa.
Aproveitei a pandemia para colocar em prática a meta que eu tinha me proposto no início do ano: encontrar tempo para fazer exercício físico. Acabei aprendendo muito sobre o valor inestimável do lazer e vi o quanto é importante tirar uma hora do dia para operar em outra órbita. Sair na rua, ver o céu, as árvores e, principalmente, ficar um pouco offline.
Tenho tentado também fazer uma navegação positiva enquanto estou na internet. Nada de ficar chafurdando em notícias assustadoras, prefiro assistir a algo que me inspire de alguma forma ou ler algo que forneça um escape da realidade. Isso pode significar salvar um conteúdo que ensina a ativar os hormônios da felicidade para lembrar depois ou assistir erroneamente à série sobre a vida da Anitta. Nem sempre a gente acerta no escapismo.
Espero que esse ano as coisas melhorem, a vacina finalmente chegue (e seja eficiente) e que o mundo possa voltar para os trilhos. Espero também que a situação do Brasil melhore, que as pessoas possam voltar a ter empregos, sonhos, planos. E que o Bem vença o Mal, se é que me entendes (ou seja lá o que isso significa).
Alguns conteúdos para dar uma olhada:
Frank - A Voz (livro)
Nesse final de ano, resolvi finalmente ler a biografia do Frank Sinatra escrita pelo James Kaplan. Eu gosto do Frank há muito tempo, ouço sua música quase todos os dias há anos, mas nunca tinha tido a coragem de ler esse livro. Essa biografia, você lê como se fosse um romance e é transportado para os anos 30, 40, 50... O autor pesquisou bastante sobre o cantor e criou essa narrativa que é quase definitiva sobre o homem que por tanto tempo foi conhecido apenas como "A voz". Ler esse livro me levou a fazer um monte de buscas na internet e a uma quase obsessão por Ava Gardner (na foto acima, no dia do casamento dos dois). Os dois eram apaixonados, mas tinham uma relação super explosiva, brigavam e depois faziam as pazes amorosamente. Também fiquei interessada por filmes que possivelmente jamais terei a chance de assistir pois não estão em nenhum streaming. É o famoso sentimento "saudades do que não vivi ou evitava viver". Se você não conhece nada da obra de Frank Sinatra sugiro algumas canções maravilhosas para começar: All or Nothing at all, That's Life e Fly me to the moon.
Dean Martin & Caterina Valente - One Note Samba
Apenas porque esse vídeo é adorável.
O tráfico dos pangolins e a pandemia do Covid-19
Ainda não se sabe a origem certa da pandemia do coronavírus, mas ela está possivelmente ligada a esses animais exóticos chamados "pangolins". Eles são mamíferos com escamas grossas ricas em queratina e podem ser encontrados na África e na Ásia, apesar das oito espécies desse animal estarem ameaçadas de extinção. Amostras de tecidos de pangolins mortos mostraram que alguns carregam vírus muito semelhantes ao Sars-CoV-2. A medicina chinesa considera que o animal tem várias propriedades ligadas à saúde e fertilidade e esse é provavelmente um dos principais motivos que leva à exploração desses animais. Essa reportagem da revista New Yorker é primorosa, e se pergunta: será que nossa fome por essas criaturas humildes nos levou a uma catástrofe global? É interessante imaginar que a pandemia pode ter sido gerada por uma resposta da natureza à exploração do homem. Uma outra reportagem muito completa da mesma revista tenta rastrear o início do coronavírus em Wuhan. O repórter visita o Mercado de Wuhan, e narra sua visita a uma ótica no segundo andar do mercado. A narrativa é tão rica que é como se visitássemos junto com ele à cidade. Essa reportagem ajuda a entender como a China conseguiu controlar a pandemia de forma tão eficiente, e derruba tantas fake news surgidas sobre o tema.
Durante a pandemia, o ballet da cidade de Nova York comissionou uma série de obras para serem consumidas no ambiente digital. Há uma reportagem bem interessante na New Yorker contando sobre a concepção da temporada digital. Essa obra é toda original e foi gravada para ser dançada dentro da água, em frente ao Lincoln Center Plaza. Ao final do vídeo, o coreógrafo e o bailarino falam um pouco sobre o desafio de coreografar e ensaiar uma peça de balé fechados cada um em seu apartamento.
Fleabag - Amazon Prime
Finalmente esqueci todos os diálogos de Fleabag e já posso reassistir tudo de novo. De fato, foi o que fiz durante o recesso do final do ano. Se você tem Amazon Prime, é o melhor conteúdo possível. A não ser que você não goste de mulheres completamente inaptas social e sexualmente que usam o humor para esconder sua estranheza. Nesse caso, não assista, mas saiba que estará na contramão do mundo, que premiou a série com seis Emmys e alguns Globos de Ouro.
O sambista Mussum
Descobri um pouco mais da história do Mussum no podcast Vidas Negras do Spotify (que eu já indiquei por aqui). Achei bem tocante saber um pouco mais sobre a sua carreira de sambista - eu só conhecia algumas músicas do Originais do Samba, mas sempre achei que era um projeto de antes dos Trapalhões. Não sabia que o samba era sua real vocação na vida e que a obra que realmente o preenchia artisticamente teve de ser deixada de lado por causa do sucesso com o grupo de humor onde ele fazia o papel de um bêbado. Me apeguei especialmente à canção O ouro e a madeira.
Não queria ser o mar
me bastava a fonte
Muito menos ser a rosa
simplesmente o espinho
Não queria ser caminho
porém o atalho
Muito menos ser a chuva
apenas o orvalho
Não queria ser o dia
só a alvorada
Muito menos ser o campo
me bastava o grão
Não queria ser a vida
porém o momento
Muito menos ser concerto
apenas a canção
A moda do ano 2020 - Gucci
Nada pode ser melhor para visualizar uma época do que estudar a moda produzida durante aquele período. Rick Owens (foto do desfile acima), abraçou a surrealidade do momento e ficou ótimo, disse o New York Times. Se depender da Gucci, essa foto está 100% representativa do ano que tivemos.
Newsletter MargeM (link)
Essa newsletter produzida pelo jornalista Thiago Ney é sempre muito interessante. Sua curadoria é muito boa e sempre traz vários insights, principalmente da área de cultura e música. Para assinar e receber no seu e-mail é só clicar aqui.
The New York Times - Imagens históricas da pandemia
O The New York Times fez uma série de conteúdos mostrando as fotos mais bonitas do ano, entre elas está a que abre essa newsletter (da reportagem "Fotos do ano em que o tempo parou"), e essa foto aqui de cima. Ambas são do fotógrafo Daniel Arnold que fotografou as ruas de Nova York durante a pandemia. Toda vez que entro no site do NYT acabo com mil abas abertas (essa newsletter não se chama Abas Infinitas à toa). Um exemplo é essa matéria sobre os momentos mais importantes da arte em 2020, ou mesmo essa receita de cogumelos à Bourguignon para colocar em cima de uma polenta quentinha.
Até a próxima!