#17 Abas Infinitas - Não vejo a hora de chegar o metaverso!!*
Recentemente, Mark Zuckerberg anunciou a mudança de nome da empresa Facebook para Meta - em referência ao Metaverso, nome que se dá a um novo mundo que mistura experiências físicas e virtuais. Na prática, o Metaverso seria um lugar virtual onde as pessoas podem se encontrar em um ambiente 3D, criando avatares super realistas que conversam e interagem como se todos estivessem no mesmo local físico. É a realidade reinventada para ser um espaço onde o ser humano pode existir digitalmente.
Com esse anúncio, o Facebook puxa para si o poder de conceber o que será possível (e interessante de se fazer) virtualmente com o avanço da internet nos próximos anos. A apresentação completa do que a empresa imagina para as próximas décadas está aqui nesse vídeo de 1 hora e 17 minutos que detalha os experimentos que a empresa tem feito para criar gadgets que vão revolucionar o entretenimento, a educação, o comércio, as interações sociais e o trabalho híbrido.
Esse anúncio é importante pois uma das maiores empresas do mundo que detém o monopólio de vários serviços de comunicação e entretenimento está revelando como ela vai construir o futuro. E nós vamos fazer parte disso.
Na verdade, já fazemos parte. Nós já vivemos dentro do nosso celular e não conseguimos largá-lo. Quem já experimentou a realidade virtual sabe o quanto ela é fascinante e imersiva e quando você tira os óculos, é como se o mundo físico fosse menos interessante do que aquele mundo em que você estava.
Muitos dos cenários apresentados por Zuckerberg parecem recriar a humanidade como se tivéssemos o poder de começar de novo e escolher quem queremos ser. Quero ter um cabelo diferente e usar roupas estilosas? Posso expressar isso no meu avatar virtual. Você pode ter a cara de um personagem da Pixar ou criar uma representação hiper realista do seu corpo para poder participar de reuniões e festinhas com seus amigos no ambiente virtual. No Metaverso, posso planejar minha casa dos sonhos sem limite de metros quadrados e com direito a uma vista para o pôr do sol caindo no mar. Mesmo que eu esteja fisicamente em um apartamento de 30m2, quando coloco meus óculos de realidade virtual a sensação é de estar presente fisicamente naquele ambiente, já que o vídeo é em 360 graus e o cérebro entende que você está presente fisicamente ali.
A consciência corporal desaparece por um tempo e já há estudos do uso da realidade virtual para enganar o cérebro e tratar dores fantasmas de pessoas amputadas ou no tratamento de ansiedade e transtorno pós traumático. É como se o homem tivesse desenvolvido tanto a tecnologia que resolveu recriar a experiência de estar vivo e de se conectar socialmente, agora com o poder de definir quem ele é e onde ele está.
Com a "realidade mista", como eles denominam essa mistura de vida real e virtual, você continua vivendo fisicamente na sua casa, mas pode ver "no ar" as suas mensagens, a apresentação do trabalho, ou pode ainda receber um amigo na sua sala para jogar um jogo de tabuleiro, por exemplo. Isso porque você estaria usando uns óculos que fazem essa junção dos dois mundos. Seu amigo estará presente como se fosse um holograma ao seu lado e supostamente você se divertirá muito com isso. O mundo imaginado pela Meta é um mundo solitário que considera jogar com pessoas online como o supra-sumo do entretenimento.
Se andamos pela casa com nosso telefone grudado na mão, é uma questão de tempo até termos a conveniência de usarmos óculos que capturam nossa casa e conecta todos os nossos aparelhos para que apenas com o olhar, o aparelho vai entender que você quer ligar a televisão ou acender o abajur. O tempo que passamos vendo telas (que aumenta a cada dia) vai se tornar próximo do tempo que passamos acordados.
A Meta imagina que se os trabalhos caminham para se tornar híbridos com parte da equipe junta fisicamente em uma sala e outra parte presente virtualmente na mesma reunião, portanto seremos todos levados a uma sala virtual onde todos podemos "existir no mesmo nível", conversando lado a lado, cada um com seu avatar, como se estivéssemos juntos fisicamente (só que virtualmente).
Mark diz que você vai poder escolher quando alguém entra no seu espaço ou pode preferir "se teleportar para ficar sozinho" - como se na vida real a gente não tivesse isso bem resolvido. Se quero ficar sozinha eu saio da internet, simples assim. Deixo de estar disponível. No metaverso, ficar offline será cada vez mais difícil, já que a internet estará no seu ambiente físico, estará presente no ar.
A ironia do título desse texto talvez seja porque na verdade eu não estou tão ansiosa assim para o Metaverso.
Eu não quero viver dentro da internet. Eu quero continuar escolhendo o que quero usar dela. Pode parecer interessante encontrar alguém num espaço virtual enxergando detalhes do corpo da pessoa e seu gestual em vez de fazer uma ligação de vídeo em que preciso segurar o telefone o tempo todo na minha cara.
Inclusive, já se prevê que você poderia até reencontrar pessoas mortas virtualmente como se estivesse olhando para elas fisicamente em detalhes. Uma vez que elas já tivessem capturado o gestual de seu corpo inteiro elas poderiam viver eternamente. Qual o limite dessa tecnologia? Não sabemos, mas essas previsões da Meta indicam qual a visão que uma das empresas mais importantes do mundo tem para o futuro. E eles estão construindo ele dessa forma.
Acho que o grande dilema é: será que queremos esse mundo? É claro que pode ser divertido se transportar para uma ilha deserta enquanto estou sentada no sofazinho da minha casa, como uma forma de relaxamento ou escapismo. Mas o mundo onde as corporações reinventam a existência humana transformando cada ser em um "perfil", talvez eu não esteja interessada. Somos mais que um boneco vodu com uma série de escolhas de consumo e desejos. Nós precisamos ser. Mas se embarcamos na ideia de ter um algoritmo ditando tudo o que devemos ver, quem é que decide o que é a realidade?
Talvez esse texto esteja meio Slavoj Zizek, incompreensível, gritando para as nuvens como o velhinho dos Simpsons. Talvez eu só esteja tentando entender para onde caminha o mundo, quando já estamos totalmente capturados pelo poder viciante das redes sociais.
Recentemente, tive a experiência de viver lá fora, e foi bonito. Saí de casa como se não houvesse pandemia (mas sempre usando máscara) e cheguei até a entrar no mar, rapaz. Voltei com notícias: a realidade é insuperável. Sair na rua e ver dois tiozinhos conversando, descobrir que tem açaí do Pará sendo vendido na minha rua, ver uma pixação nova.
Esse mundo que emula a realidade decide sozinho o que é interessante para nós. Nos deixa num estado calminho, controlado, infeliz, invejoso, com vontade de "comprinhas online". Mas quando você sai lá fora, se lembra que há um mundo diferente e que esse modo de vida virtual tem pouco mais de dez anos. Essa realidade criada pelas redes sociais não é necessariamente a melhor coisa do mundo.
Eu tenho uma certa resistência de engolir a ideia de que vou poder assistir a um show estando virtualmente presente porque eu acho que isso nunca vai substituir a coisa de verdade. Entendo que precisamos emular novas realidades porque talvez o mundo vá pegar fogo e a gente vai precisar de um pouco de escapismo virtual. Mas eu preferia que eles estivessem preocupados em arrumar o que temos agora.
Me preocupo com o meu avatar que já existe em algum data center no deserto americano. Aquele que sabe minhas buscas na internet, meus desejos de compra, minhas conversas mais íntimas, as fotos que jamais publicarei… Essas empresas que formam o chamado "oligopólio" da comunicação detêm a minha humanidade mais frágil, o meu eu mais real e imperfeito. Qual a garantia que elas estão me dando de que não vão me manipular seja lá por qual motivo?
Afinal, toda a minha experiência viva passa pelo meu celular. Quase tudo de interessante que passa pelos meus olhos eu capturo em fotos ou escrevo no meu bloco de notas. É como se a minha memória já tivesse sido terceirizada para o virtual e catalogada na nuvem (e acessada por sei lá quantos algoritmos). Eu gostaria que as fotos do meu celular fossem tão bem guardadas que o Google não soubesse o nome da minha amiga de infância nem que ela um dia já teve diversos cabelos. Eu gostaria também que o Spotify não estivesse analisando o tom da minha voz e ouvindo a situação onde estou para me sugerir músicas certas para o mood do momento. O Facebook também está na mesma linha de coletar dados biométricos e usar para te vender anúncios.
O mundo virtual pode ser lindo e interessante, mas ele mata a imaginação e a criatividade. "O tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo”, escreveu o filósofo coreano Byung-Chul Han, no livro Sociedade do Cansaço.
Antes de qualquer coisa, eu quero saber da minha privacidade. Eu estou interessada em manter os pés no chão e ter uma tecnologia que respeite minha humanidade. Sou do time do artista Rirkrit Tiravanija que diz que "A liberdade não pode ser simulada". Não quero recriar minha própria existência, quero existir sem que essas plataformas funcionem como uma máquina de hemodiálise, em que toda a minha existência é capturada, analisada por um algoritmo e transformada em negócios para um mundo capitalista. Será que pode ser assim?
*contém ironia
Algumas coisas legais para dar uma olhada:

100 formas de melhorar sua vida sem tentar muito (link em inglês)
Esse texto do jornal inglês The Guardian é daqueles links gostosos de consumir (afinal, é uma lista!) e faz pensar em coisas que poderiam ser mudadas na sua vida como, por exemplo, pensar 72 horas antes de fazer uma compra que te deixou em dúvida ou escolher qual a melhor fila do supermercado (a que tem um carrinho cheio, é mais rápida que a que tem vários consumidores com poucas compras, acredite). Vale a pena ler e distrair a mente nesse começo de ano.
Algumas dicas que o autor traz:
Acerte a iluminação. Apague as luzes do teto e acenda vários abajures.
Afie suas facas
Sempre traga gelo para festas (nunca tem o bastante)
Mande um áudio em vez de mensagem de texto. Eles parecem mini-podcasts pessoais.
Compre um cortador de cebolas barato. Você vai ganhar tempo e evitar lágrimas.

O diário mais ambicioso da história - New Yorker
Essa reportagem da revista New Yorker é magnífica. Conta a história do professor Claude Fredericks que começou a escrever em seu diário com oito anos, em 1932, e só parou algumas semanas antes de sua morte, quando ele já tinha 89 anos. Ele contava que estava produzindo um dos "livros mais longos já escritos sobre um único heroi". Seus diários somados têm mais de 65.000 páginas e foram adquiridos pelo Instituto de Pesquisa Getty. A reportagem fala sobre como essa forma mais simples de literatura, um diário, pode trazer percepções importantes sobre a vida e o tempo em que se vive.
RIP Joan Didion
Próximo do Natal, morreu a escritora Joan Didion, aos 87 anos. Segundo o The New York Times, "ela estabeleceu uma voz distinta na ficção americana antes de se voltar para a reportagem política e a escrita de roteiros". Joan escreveu sobre os anos 60 na Califórnia e toda a sua efervescência, e esses textos delicados e ao mesmo tempo fortes podem ser lidos no livro Rastejando até Belém. Também escreveu sobre a morte do seu marido e posteriormente da sua filha, o que rendeu dois livros premiados e consagrados. Um bom jeito de conhecer um pouco de sua história é assistir ao documentário The Center Will Not Hold, dirigido por seu sobrinho Griffin Dunne, e disponível na Netflix. E aqui tem um guia para os livros dela.
Massagem em um gambá
Vi esse vídeo numa cena da série High Maintenance da HBO e achei magnífico principalmente por me deixar na dúvida se a mulher está ensinando massagear um gambá a sério (ou não).



Sobre essa newsletter:
Muitas pessoas chegaram recentemente a essa newsletter e talvez seja interessante apresentá-la. Aqui eu tento entender um pouco o mundo conectado em que vivemos e trago os links que se acumulam nas abas do meu navegador, por isso o nome: Abas Infinitas. Para sugerir conteúdos, ou falar comigo, é só dar um reply nesse e-mail.
Até a próxima!