#13 abas infinitas - A gente vive pra comer croissant
Eu passei a pandemia escrevendo textos otimistas, tentando tirar algo bom dessa situação estranha que chacoalhou todas as nossas estruturas. Por mais que eu saiba que não devemos ser produtivos nem precisamos conquistar nada a mais além de simplesmente sobreviver, mesmo assim eu busquei me manter sã tentando criar projetos pessoais e fazendo exercício físico. Agora eu vejo que era fácil ser otimista e permanecer distante da realidade porque a doença não tinha chegado perto o suficiente de mim. Até eu mesma ficar doente.
Daí que eu tive Covid e não recomendo para ninguém. Tive a sorte de ter sintomas leves, mas experimentei na pele algumas coisas que eu já tinha ouvido falar como a sensação de ficar cansada após alguns poucos passos e a horrorosa sensação de não sentir o gosto da comida. Um drama real, mas ainda assim, beeem menos dramático que a situação que tantas pessoas enfrentam com essa doença.
Experimentei também o monitoramento constante da minha saúde através de um aparelho que agora está na moda, o oxímetro. Fiquei observando cada sintoma esperando piorar, como a médica já havia me alertado. Ainda antes de saber que estava com o vírus, procurei um Pronto Socorro para fazer o teste e a médica já me deu todas as instruções caso desse positivo. "Provavelmente você está mesmo com Covid", disse ela depois de ouvir que eu tinha tido contato muito próximo com uma pessoa que estava com a doença. "Costuma piorar entre o sexto e o décimo segundo dia. Então, qualquer novo sintoma ou agravamento, volta aqui para a gente repetir o exame e entrar com a medicação adequada", ela prosseguiu.
Nessa hora, eu não consegui pensar em mais nada, eu simplesmente precisava perguntar: qual medicação? Eu só queria me certificar de que a médica não era Bolsonarista. Como não ouvi as palavras ivermectina nem cloroquina, fiquei bem mais tranquila e passei a considerar tudo o que a médica disse a seguir. Tá fácil viver no Brasil de 2021.
Falar que eu vou piorar dia tal é a receita perfeita para deixar louca uma pessoa ansiosa. E olha que nem sou hipocondríaca, mas quando chega a sua vez de estar infectada com uma doença que mata dois mil brasileiros por dia, e já chega à marca desesperadora de 500 mil mortes no país, você tem a deixa perfeita para se desesperar.
Eu até tentei não me entregar ao desespero, afinal, estava com sintomas leves e tenho uma boa condição de saúde, mas ainda assim fiquei medindo a oxigenação do sangue umas quinze vezes ao dia. Às vezes eu conseguia manter a positividade: meu pão sempre cai com a manteiga para cima, por que agora eu não teria sorte?
Tentei me distrair com o conteúdo mais divertido que consegui conceber: a sétima temporada de Rupaul's Drag Race, um reality show de drag queens que eu havia abandonado junto com a solteirice, em 2014. Agora, parecia a hora perfeita para me alienar da realidade e acompanhar o drama real das participantes que precisavam criar um look de alta costura para um desfile com o tema Hello Kitty.
Mesmo assim, o desespero bateu, afinal, estamos há mais de um ano ouvindo histórias de pessoas conhecidas (ou não) que enfrentaram a doença, foram intubadas, ficaram meses com pulmão artificial, algumas morreram, outras não. Tudo isso vai passando pela sua cabeça.
É inevitável pensar que chegou a sua vez de enfrentar esse vírus que fez o mundo parar, as Olimpíadas serem canceladas, as missas do Papa serem suspensas, os países fecharem as fronteiras com o Brasil, enfim, um vírus que ainda está contaminando e matando pessoas globalmente como não víamos há tempos na História recente.
A História agora está tomando seu curso dentro de você, decidindo se vai te levar daqui ou não. Segundo a médica não-bolsonarista, nos primeiros dias você tem sintomas de gripe porque o vírus quer se espalhar através do seu espirro e saliva, mas depois do sexto dia, ele já está alojado no seu pulmão. É aí que começa a fase grave da doença, pois tudo depende de como foi sua exposição. Dependendo do quanto de vírus entrou no seu corpo, mais ele se multiplicou e isso determina se seu caso vai ser mais grave, ou não.
Ela não me disse, mas para mim, essa parte é pura sorte (ou azar, no caso). Trata-se do próprio acaso da vida. Não dá para saber quão grande foi a exposição ou o quanto o vírus se espalhou, mas isso é o que vai determinar se eu vou sair dessa ou não, ou seja, algo bem importante para relegar ao puro acaso. Mas, ao mesmo tempo, não é exatamente isso que é viver? Você atravessa a rua e pode ser atropelado por uma moto ou você pisa em um bueiro que está mal encaixado e cai lá dentro. Viver é perigoso mesmo.
Fiquei torcendo para meu pulmão (e meu corpo como um todo) colaborarem comigo, lutarem por mim, mas mesmo assim me pegava tentando controlar a situação incontrolável. Será que não é o caso de tirar uma chapa do pulmão? E aquele corticóide que ela falou, será que não dá pra dar uma ajudinha não?
Renovava minha esperança na vida a cada foto recebida do meu filho, que estava com a minha mãe. Ele deitadão curtindo uma banheira quente, ele dentro da boca de um tubarão cercado por milhares de dentes, ele segurando um pequeno peixe na feira livre. Alheio ao que estava acontecendo, estava feliz passeando com a avó. A distância ficava mais curta a cada foto e a cada dia que passava.
É doido como a gente passa a ver a vida diferente quando está pensando que pode morrer. Da janela, ficava vendo as pessoas correndo, felizes, tocando suas vidas. Eu pensava que meu valor pela vida seria diferente se eu conseguisse passar por essa.
Com o andar dos dias, foi ficando claro que eu não estava piorando e que talvez, quem sabe, eu poderia comemorar minha nova vida. Mesmo sem ter vivido um grande drama, eu havia vivido ALGUM drama, e talvez, quando o paladar voltasse, quem sabe eu mereceria um cornetto da Fabrique para comemorar o fato de estar viva. Esse era meu mantra e pode ser que isso tenha ajudado a vencer a batalha. Eu subornava minha mente para avisar meus órgãos que caso eles fizessem um bom trabalho defendendo a gente desse vírus maldito, ia ter croissant recheado de creme pra todo mundo. E teve. Foi ali que talvez eu tenha voltado a ficar otimista com a vida.
Algumas coisas legais que vi por aí:
O futuro do trabalho - newsletter Anne Helen Petersen
Se tem um assunto que me interessa atualmente é o futuro do trabalho. Eu já tinha falado um pouco sobre isso na Abas Infinitas #10. Afinal, a maior parte das empresas eram super rígidas com o home office, você tinha que pedir autorização para ficar um dia trabalhando de casa, era visto quase que como uma folga. Com a pandemia, o trabalho remoto mostrou que podemos ser ainda mais produtivos em casa (e trabalhar ainda mais horas pelo mesmo preço!) e a queda dos gastos com equipamento, aluguel e pausa para o cafezinho, fez a maior parte das empresas querer repensar o modo de trabalho para sempre, mesmo depois da pandemia ser controlada. Tudo vai mudar, desde o tamanho do escritório até a disposição das mesas e a organização dos times. Tem uma reportagem da New Yorker que fala um pouco disso. A Anne Helen Petersen é uma jornalista que já trabalhou para o Buzzfeed (é dela aquele texto dos Millenials e o burnout que repercutiu há um tempo) e ela tem escrito bastante sobre isso. Agora ela mostra como algumas empresas norte-americanas estão definindo o seu "novo normal". Grande parte das empresas vai adotar o presencial de terça a quinta-feira, mas outras vão deixar os funcionários livres para definir o que funciona melhor. Minha aposta é que tudo vai ser virtual de qualquer jeito, sempre haverá participantes de uma reunião que entram através de uma tela, mesmo que as pessoas voltem ao escritório. Quero muito saber como isso vai aterrissar aqui, no Brasil e na minha vida. Me agrada a ideia de ficar uns dias por semana em casa sem precisar encarar o trânsito de São Paulo. Mas não gosto da ideia de viver acorrentada ao meu celular. Quero tempo para fazer exercício de manhã e ver o pôr-do-sol no final do dia, será que é pedir muito?
Glória Groove - A caminhada
Uma das maiores artistas brasileiras da atualidade? Na minha opinião, sim! Gloria Groove tem um estilo próprio de cantora drag. Seu som mistura rap, funk e pop dançante. Suas letras são sempre cheias de sacada e inteligência e nesse clipe ela adota um tom mais politizado que até arrepia. Ela mostra os "arquivos" dos direitos LGBT, do caso Marielle, censura, fake news, tudo o que é negligenciado pela sociedade e pela Justiça. Sua "gangue" já chega dando porrada e Glória entra carregando aquela papelada em um tribunal para tirar satisfação com os "juízes". É uma drag queen assumindo para si uma posição de poder, de cobrança, enfrentando o que está engasgado na nossa garganta. No refrão, ela faz referência àquela expressão "Walk the Talk", algo como: viver de acordo com o que você fala, de acordo com seu discurso. Glória tem outras músicas muito boas e dançantes como: MAGENTA CA$H, MIL GRAU, SEDANAPO e o hit Bumbum de Ouro. E nessa semana ela lançou mais uma, Bonekinha. Coisas que você só descobre dando um Google: o Daniel Garcia Felicione Napoleão, aka Glória Groove, começou a carreira no Balão Mágico em 2002 e foi ator mirim da Record e ainda dublou Aladdin no filme recente da Disney. Ele só começou sua carreira como Glória depois de se inspirar em Rupaul's Drag Race (olha só) e o primeiro hit veio em 2016, com Dona.
Esse vídeo não é super novo, é de 2016, mas sempre é uma referência para quando se pensa no futuro que nos aguarda. Como diz aquele tweet: "realidade aumentada? Amigo, eu gostaria que a realidade diminuísse!". A hiper realidade é um outro nome para "realidade aumentada", ou seja, a internet aplicada à nossa vida. Como seria se as notificações aparecessem na vida real, na nossa visão mesmo, como se fossem uma camada a mais na realidade? Enquanto você está no ônibus, em vez de olhar para a tela do celular, vê tudo o que está disponível pela internet na própria visão da realidade. Enquanto a personagem está fazendo compras, pode ter um pet virtual a acompanhando, ou pode ir vendo a lista de compras e acompanhar o quanto já gastou. Se estiver sem dinheiro, pode pedir ali mesmo um empréstimo no banco. Espero que os designers trabalhem no futuro para que nossa visão na hiper realidade não fique tão poluída pela "nuvem" de informações, assim como acontece nesse vídeo.
Aonde você vai - Antonio Adolfo
Eu conheci essa música no final do episódio 7 da quarta temporada de uma das minhas séries preferidas, "High Maintenance", da HBO. Achei engraçado precisar de uma série gringa para conhecer uma música brasileira tão bonita.
Onde você vai, com tanta pressa?
Com tanta pressa?
Com tanta pressa?
Onde você vai, com tanta luta?
Com tanta luta?
Com tanta luta?
Eu vou, eu não sei onde eu vou
Mas eu não sei onde eu vou, meu senhor
Dua Lipa - Tiny Desk
Há tempos um vídeo da internet não me fazia esquecer momentaneamente da dureza da realidade como esse da Dua Lipa cantando com pessoas bonitas e iluminação adequada. Todos sorriem como se a vida estivesse ótima e não houvesse uma pandemia lá fora. A energia desse vídeo faz você levitar literalmente com ela, assim como diz a letra da música I'm levitating.
You can fly away with me tonight
You can fly away with me tonight
Baby, let me take you for a ride
Yeah-yeah-yeah-yeah
I'm levitating
Ensinamentos de Matthieu Ricard
Esse monge budista, Matthieu Ricard, já me inspirou em várias fases da minha vida. Um vídeo seu sempre esteve ao alcance quando eu me sentia perdida numa noite de plantão em algum portal da internet. Me lembro de anotar no bloco de notas do meu celular as máximas de uma vida feliz e com significado, segundo o budismo. Para chegar lá, seria preciso empatia, simpatia, altruísmo e compaixão pelos outros. Até os biólogos evolucionistas admitem que o ser humano, como espécie, só sobreviveu por causa da capacidade de cooperar entre si e ajudar a quem precisa. Cada vez mais fica visível que as pessoas estão passando dificuldades à nossa volta e uma forma de aliviar a pressão do outro e consequentemente do mundo, é ajudar o quanto puder. Trata-se de uma situação similar àquelas operações da Bolsa de Valores: chamadas de "ganho-ganho", ou seja, quando as duas partes saem ganhando. Você ajuda alguém com sua atenção, um pouco do seu dinheiro, ou ainda alguma comida e equilibra um pouco mais o mundo para o lado da justiça e da diminuição do sofrimento. Nesse vídeo acima, ele dá uma palestra para os funcionários do Google. Um dos ensinamentos que mais me marcou nesse vídeo é sobre a impermanência da felicidade e o quanto precisamos entender que não se trata de apenas ter as coisas dando certo para sermos felizes, que é preciso fazer um esforço interno para encontrar a plenitude do espírito não importa o que esteja acontecendo lá fora. Alguns trechos dessa palestra:
"Felicidade genuína não significa sentimentos agradáveis um após o outro, cada vez mais intensos, empilhando-os, renovando-os, buscando-os e depois desabando de exaustão no final. Isso não vai funcionar. Portanto, é mais como um agrupamento de qualidades, pois podemos desenvolver habilidades, como abertura, amor altruísta genuíno, compaixão, força interior, algum tipo de paz interior.
A vida não é apenas relembrar o passado e projetar o futuro. Trata-se da qualidade do momento presente. A natureza muda de um momento para o outro... algo que é muito gostoso, como um bolo de chocolate, uma vez que você come, está ótimo, dois pedaços... veja, você fica enjoado com a mesma coisa que te fez extremamente feliz. O conceito de felicidade muda o tempo todo. A música mais bonita que você pode sonhar, você pode, se estiver realmente viciado nela, ouvir três ou quatro vezes em seguida, mas imagine 24 horas sem parar. Que cansaço. Não funciona assim".
Há também uma palestra de Matthieu Ricard no TED, em que ele fala sobre os hábitos da felicidade. Vale a pena ver também (link).
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